Os princípios racionais.
Desde seus começos, a Filosofia considerou que a razão
opera seguindo certos princípios que ela própria estabelece e que estão em
concordância com a própria realidade, mesmo quando os empregamos sem conhecê-los
explicitamente. Ou seja, o conhecimento racional obedece a certas regras ou
leis fundamentais, que respeitamos até mesmo quando não conhecemos diretamente
quais são e o que são. Nós as respeitamos porque somos seres racionais e porque
são princípios que garantem que a realidade é racional.
Que princípios são esses? São eles:
Princípio da identidade, cujo enunciado pode parecer
surpreendente: “A é A” ou “O que é, é”. O princípio da identidade
é a condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma
coisa, seja ela qual for (um ser da Natureza, uma figura geométrica, um ser
humano, uma obra de arte, uma ação), só pode ser conhecida e pensada se for
percebida e conservada com sua identidade.
Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo
como figura de três lados e de três ângulos, não só nenhuma outra figura que
não tenha esse número de lados e de ângulos poderá ser chamada de triângulo
como também todos os teoremas e problemas que o matemático demonstrar sobre o
triângulo, só poderão ser demonstrados se, a cada vez que ele disser
“triângulo”, soubermos a qual ser ou a qual coisa ele está se referindo. O
princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las
a partir de suas definições.
Princípio da não-contradição (também conhecido como
princípio da contradição), cujo enunciado é: “A é A e é
impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A”. Assim, é
impossível que a árvore que está diante de mim seja e não seja uma mangueira;
que o cachorrinho de dona Filomena seja e não seja branco; que o triângulo
tenha e não tenha três lados e três ângulos; que o homem seja e não seja
mortal; que o vermelho seja e não seja vermelho, etc.
Sem o princípio da não-contradição, o princípio da
identidade não poderia funcionar. O princípio da não-contradição afirma que uma
coisa ou uma idéia que se negam a si mesmas se autodestroem, desaparecem,
deixam de existir. Afirma, também, que as coisas e as idéias contraditórias são
impensáveis e impossíveis.
Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é:
“Ou A é x ou é y e não há terceira possibilidade”. Por
exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou
faremos a paz”. Este princípio define a decisão de um dilema - “ou isto ou
aquilo” - e exige que apenas uma das alternativas seja verdadeira. Mesmo quando
temos, por exemplo, um teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas
entre duas opções - “ou está certo ou está errado” - e não há terceira
possibilidade ou terceira alternativa, pois, entre várias escolhas possíveis,
só há realmente duas, a certa ou a errada.
Princípio da razão suficiente, que afirma que tudo o
que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir
ou para acontecer, e que tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela
nossa razão. O princípio da razão suficiente costuma ser chamado de princípio
da causalidade para indicar que a razão afirma a existência de relações ou
conexões internas entre as coisas, entre fatos, ou entre ações e
acontecimentos.Pode ser enunciado da seguinte maneira: “Dado A,
necessariamente se dará B”. E também: “Dado B, necessariamente
houve A”.
Isso não significa que a razão não admita o acaso ou ações
e fatos acidentais, mas sim que ela procura, mesmo para o acaso e para o
acidente, uma causa. A diferença entre a causa, ou razão suficiente, e a causa
casual ou acidental está em que a primeira se realiza sempre, é universal e
necessária, enquanto a causa acidental ou casual só vale para aquele caso
particular, para aquela situação específica, não podendo ser generalizada e ser
considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou semelhantes,
pois, justamente, o caso ou a situação são únicos.
A morte, por exemplo, é um efeito necessário e universal
(válido para todos os tempos e lugares) da guerra e a guerra é a causa
necessária e universal da morte de pessoas. Mas é imprevisível ou acidental que
esta ou aquela guerra aconteçam. Podem ou não podem acontecer. Nenhuma causa
universal exige que aconteçam. Mas, se uma guerra acontecer, terá
necessariamente como efeito mortes. Mas as causas dessa guerra são somente as
dessa guerra e de nenhuma outra.
Diferentemente desse caso, o princípio da razão suficiente
está vigorando plenamente quando, por exemplo, Galileu demonstrou as leis
universais do movimento dos corpos em queda livre, isto é, no vácuo.
Pelo que foi exposto, podemos observar que os princípios da
razão apresentam algumas características importantes:
● não possuem um conteúdo determinado, pois são formas:
indicam como as coisas devem ser e como devemos pensar, mas não nos dizem quais
coisas são, nem quais os conteúdos que devemos ou vamos pensar;
● possuem validade universal, isto é, onde houver razão
(nos seres humanos e nas coisas, nos fatos e nos acontecimentos), em todo o
tempo e em todo lugar, tais princípios são verdadeiros e empregados por todos
(os humanos) e obedecidos por todos (coisas, fatos, acontecimentos);
● são necessários, isto é, indispensáveis para o pensamento
e para a vontade, indispensáveis para as coisas, os fatos e os acontecimentos.
Indicam que algo é assim e não pode ser de outra maneira. Necessário significa:
é impossível que não seja dessa maneira e que pudesse ser de outra.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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