Inteligência e linguagem
Não somos dotados apenas de
inteligência prática ou instrumental, mas também de inteligência teórica e
abstrata. Pensamos.
O exercício da inteligência como
pensamento é inseparável da linguagem, como já vimos, pois a linguagem é o que
nos permite estabelecer relações, concebê-las e compreendê-las. Graças às
significações escada e rede, a criança pode pensar nesses objetos
e fabricá-los.
A linguagem articula percepções
e memórias, percepções e imaginações, oferecendo ao pensamento um fluxo
temporal que conserva e interliga as idéias.
O psicólogo Piaget, estudando a
gênese da inteligência nas crianças, mostrou como a aquisição da linguagem e a
do pensamento caminham juntas. Assim, por exemplo, uma criança de quatro anos
ainda não é capaz de pensar relações reversíveis ou recíprocas porque não
domina a linguagem desse tipo de relações. Se se perguntar a ela: “Você tem um
irmão?”, ela responderá: “Sim”. Se continuarmos a perguntar: “Quem é o seu
irmão?”, ela responderá: “Pedrinho”. No entanto, se lhe perguntarmos: “Pedrinho
tem uma irmã?”, ela dirá: “Não”, pois a linguagem que ela possui permite-lhe
estabelecer relações entre ela e o mundo, mas não entre o mundo e ela.
A inteligência humana, enquanto
atividade mental e de linguagem, pode ser definida como a capacidade para enfrentar
ou colocar diante de si problemas práticos e teóricos, para os quais encontra,
elabora ou concebe soluções, seja pela criação de instrumentos práticos (as
técnicas), seja pela criação de significações (idéias e conceitos).
Caracteriza-se pela flexibilidade, plasticidade e inovação, bem como pela
possibilidade de transformar a própria realidade (trabalho, artes, técnicas,
ações políticas, etc.). A inteligência se realiza, portanto, como conhecimento
e ação.
O conhecimento inteligente
apreende o sentido das palavras, interpreta-o, inventa novos sentidos para
palavras antigas ou cria novas palavras para novos sentidos. O movimento de
conhecer é, pois, um movimento cujo corpo é a linguagem. Graças a ela,
compartilhamos com outros os nossos conhecimentos e recebemos de outros os
conhecimentos.
Comunicação, informação, memória
cultural, transmissão, inovação e ruptura: eis o que a linguagem permite à
inteligência. Clarificação, organização, ordenamento, análise, interpretação,
compreensão, síntese, articulação: eis o que a inteligência oferece à
linguagem.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
0 Response to "Inteligência e linguagem"
Postar um comentário