"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Inteligência e linguagem


Não somos dotados apenas de inteligência prática ou instrumental, mas também de inteligência teórica e abstrata. Pensamos.
O exercício da inteligência como pensamento é inseparável da linguagem, como já vimos, pois a linguagem é o que nos permite estabelecer relações, concebê-las e compreendê-las. Graças às significações escada e rede, a criança pode pensar nesses objetos e fabricá-los.
A linguagem articula percepções e memórias, percepções e imaginações, oferecendo ao pensamento um fluxo temporal que conserva e interliga as idéias. 

O psicólogo Piaget, estudando a gênese da inteligência nas crianças, mostrou como a aquisição da linguagem e a do pensamento caminham juntas. Assim, por exemplo, uma criança de quatro anos ainda não é capaz de pensar relações reversíveis ou recíprocas porque não domina a linguagem desse tipo de relações. Se se perguntar a ela: “Você tem um irmão?”, ela responderá: “Sim”. Se continuarmos a perguntar: “Quem é o seu irmão?”, ela responderá: “Pedrinho”. No entanto, se lhe perguntarmos: “Pedrinho tem uma irmã?”, ela dirá: “Não”, pois a linguagem que ela possui permite-lhe estabelecer relações entre ela e o mundo, mas não entre o mundo e ela.
A inteligência humana, enquanto atividade mental e de linguagem, pode ser definida como a capacidade para enfrentar ou colocar diante de si problemas práticos e teóricos, para os quais encontra, elabora ou concebe soluções, seja pela criação de instrumentos práticos (as técnicas), seja pela criação de significações (idéias e conceitos). Caracteriza-se pela flexibilidade, plasticidade e inovação, bem como pela possibilidade de transformar a própria realidade (trabalho, artes, técnicas, ações políticas, etc.). A inteligência se realiza, portanto, como conhecimento e ação.
O conhecimento inteligente apreende o sentido das palavras, interpreta-o, inventa novos sentidos para palavras antigas ou cria novas palavras para novos sentidos. O movimento de conhecer é, pois, um movimento cujo corpo é a linguagem. Graças a ela, compartilhamos com outros os nossos conhecimentos e recebemos de outros os conhecimentos.
Comunicação, informação, memória cultural, transmissão, inovação e ruptura: eis o que a linguagem permite à inteligência. Clarificação, organização, ordenamento, análise, interpretação, compreensão, síntese, articulação: eis o que a inteligência oferece à linguagem.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

0 Response to "Inteligência e linguagem"