Inteligência e pensamento
A inteligência colhe, recolhe e
reúne os dados oferecidos pela percepção, pela imaginação, pela memória e pela
linguagem, formando redes de significações com as quais organizamos e ordenamos
nosso mundo e nossa vida, recebendo e doando sentido a eles. O pensamento,
porém, vai além do trabalho da inteligência: abstrai (ou seja, separa) os dados
das condições imediatas de nossa experiência e os elabora sob a forma de
conceitos, idéias e juízos, estabelecendo articulações internas e necessárias
entre eles pelo raciocínio (indução e dedução), pela análise e pela síntese.
Formula teorias, procura prová-las e verificá-las, pois está voltado para a
verdade do conhecimento.
Um conceito ou uma ideia é uma rede de significações que nos oferece: o sentido interno e essencial
daquilo a que se refere; os nexos causais ou as relações necessárias entre seus
elementos, de sorte que por eles conhecemos a origem, os princípios, as
conseqüências, as causas e os efeitos daquilo a que se refere. O conceito ou
idéia nos oferece a essência-significação necessária de alguma coisa, sua
origem ou causa, suas conseqüências ou seus efeitos, seu modo de ser e de agir.
Assim, por exemplo, vejo rosas,
margaridas, girassóis. Mas concebo pelo pensamento o conceito ou a idéia
universal de flor. Sinto corpos quentes, mornos, frios, gelados, sinto o frio
da neve, o calor do Sol, a tepidez agradável da água do mar ou da piscina. Mas
concebo pelo pensamento o conceito ou idéia de temperatura. Vejo uma bola, no
conjunto musical toco um triângulo, escrevo sobre uma mesa cujo tampo tem
quatro lados iguais. Mas pelo pensamento concebo o conceito ou a idéia de
esfera ou círculo, de triângulo, de quadrado. Vou além: pelo puro pensamento,
formulo o conceito de figura geométrica e das leis que a regem, elaborando
axiomas, postulados e teoremas.
Os conceitos ou idéias são redes
de significações cujos nexos um ligações são expressos pelo pensamento através
dos juízos[i],
pelos quais estabelecemos os elos internos e necessários entre um ser e as
qualidades, as propriedades, os atributos que lhe pertencem, assim como aqueles
predicados que lhe são acidentais e que podem ser retirados sem que isso afete
o sentido e a realidade de um ser.
Um conjunto de juízos constitui
uma teoria, quando:
● estabelece com clareza um
campo de objetos e os procedimentos para conhecê-los e enunciá-los;
● organizam-se e ordenam-se os
conceitos;
● articulam-se e demonstram-se
os juízos, verificando seu acordo com regras e princípios de racionalidade e
demonstração.
Teoria é explicação, descrição e
interpretação geral das causas, formas, modalidades e relações de um campo de
objetos, conhecidos graças a conhecimentos específicos, próprios à natureza dos
objetos investigados.
O pensamento elabora teorias, ou
seja, uma explicação ou interpretação intelectual de um conjunto de fenômenos e
significações (objetos, fatos, situações, acontecimentos), que estabelece a
natureza, o valor e a verdade de tais fenômenos. Por isso falamos em teoria da
relatividade, teoria genética, teoria aristotélica, teoria psicanalítica, etc.
Uma teoria pode ou não nascer
diretamente de uma prática e ter ou não uma aplicação prática direta, mas não é
a prática que permite determinar a verdade ou falsidade teórica e sim critérios
internos à própria teoria (seja sua correspondência com as coisas teorizadas,
seja a coerência interna de seus argumentos, seus raciocínios, suas
demonstrações e suas provas, seja, enfim, a consistência lógica de suas
significações). A prática orienta o trabalho teórico, verifica suas conclusões,
mas não determina sua verdade ou falsidade.
O pensamento propõe e elabora
teorias e cria métodos.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
[i]
Como já vimos, o juízo relaciona positiva ou negativamente um sujeito S
e um predicado ou conjunto de predicados P; S é P; S
não é P. Também relaciona S e P necessariamente:
“Sócrates é mortal”; acidentalmente: “Sócrates é pequeno”; possivelmente:
“Sócrates poderá vir à praça”, “Se não chover, Sócrates virá à praça”, etc.
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