"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O Pensamento


Certa vez um grego disse: “O pensamento é o passeio da alma”. Com isso quis dizer que o pensamento é a maneira como nosso espírito parece sair de dentro de si mesmo e percorrer o mundo para conhecê-lo. Assim como no passeio levamos nosso corpo a toda parte, no pensamento levamos nossa alma a toda parte e mais longe do que o corpo, pois a alma não encontra obstáculos físicos para seu caminhar.
O pensamento é essa curiosa atividade na qual saímos de nós mesmos sem sairmos de nosso interior. Por isso, outro filósofo escreveu que pensar é a maneira pela qual sair de si e entrar em si são uma só e mesma coisa. Como um vôo sem sair do lugar. 

Em nosso cotidiano usamos as palavras pensar e pensamento em sentidos variados e múltiplos. Podemos chegar a uma pessoa amiga, vê-la silenciosa e dizer-lhe: “Por favor, diga-me seu pensamento, em que você está pensando?”. Com isso, reconhecemos uma atividade solitária, invisível para nós e que precisa ser proferida para ser compartilhada.
Outras vezes, porém, podemos dizer a essa mesma pessoa: “Você pensa que não sei o que você está pensando?”. Agora, damos a entender que dispomos de sinais – alguma coisa que foi dita, um gesto, um olhar, uma expressão fisionômica – que nos permitem “ver” o pensamento de alguém e, portanto, acreditamos que pensar também se traduz em sinais corporais e visíveis. O pensamento é menos solitário e menos secreto do que se poderia supor.
Algumas vezes, chegamos para alguém e indagamos: “Como é, pensou?”, e ouvimos a resposta: “Sim. Vamos fazer o trabalho”. Ou então: “Ainda estou pensando no assunto. Vamos ver depois”. Nesses casos, pensar é tomado por nós como sinônimo de deliberação e de decisão, como algo que resulta numa ação.
Muitas vezes, podem dizer-nos: “Você pensa demais, não faz bem à saúde”. Ou ouvimos a frase: “Ela ficou parada lá na esquina, quieta, pensando, pensando”. Podemos falar: “Por mais que pense nisso não consigo acreditar e, quanto mais penso, menos acredito”. Agora, pensar é visto como preocupação (fazendo mal à saúde), cisma (ficar parada, quieta, cismando), dúvida (quanto mais penso, menos acredito).
Alguns jornais costumam publicar algo que alguém disse com o título: “O pensamento do dia é…”, querendo dizer com isso que uma determinada idéia, definindo algum assunto, foi publicamente anunciada. Essa mesma identificação entre pensamento e idéia pode aparecer quando, por exemplo, um crítico literário escreve: “O livro de Fulano tem alguns bons pensamentos, mas tem outros banais”, classificando idéias em “boas” e “banais”, isto é, umas que dizem algo novo e interessante e outras que repetem lugares-comuns ou frivolidades. Supomos, dessa maneira, que há bons e maus pensamentos, tanto assim que falamos em “pensamento positivo” e em “afastar os maus pensamentos”.
Um professor pode criticar o trabalho de um aluno dizendo-lhe: “Esse trabalho mostra que você não quis pensar”. Aqui, pensar não é só ter idéias, mas também algo que se pode querer ou não querer, algo voluntário e deliberado, uma forma de atenção e concentração. Essa imagem de concentração aparece, por exemplo, quando alguém se zanga e diz: “Querem, por favor, fazer silêncio? Não estão vendo que estou pensando?”.
E já mencionamos o célebre “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), de Descartes, e a definição do homem como “caniço pensante”, feita por Pascal. Aqui, pensar e pensamento indicam a própria essência da natureza humana.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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