O Pensamento
Certa vez um grego disse: “O
pensamento é o passeio da alma”. Com isso quis dizer que o pensamento é a
maneira como nosso espírito parece sair de dentro de si mesmo e percorrer o
mundo para conhecê-lo. Assim como no passeio levamos nosso corpo a toda parte,
no pensamento levamos nossa alma a toda parte e mais longe do que o corpo, pois
a alma não encontra obstáculos físicos para seu caminhar.
O pensamento é essa curiosa
atividade na qual saímos de nós mesmos sem sairmos de nosso interior. Por isso,
outro filósofo escreveu que pensar é a maneira pela qual sair de si e entrar em
si são uma só e mesma coisa. Como um vôo sem sair do lugar.
Em nosso cotidiano usamos as
palavras pensar e pensamento em sentidos variados e múltiplos.
Podemos chegar a uma pessoa amiga, vê-la silenciosa e dizer-lhe: “Por favor,
diga-me seu pensamento, em que você está pensando?”. Com isso, reconhecemos uma
atividade solitária, invisível para nós e que precisa ser proferida para ser
compartilhada.
Outras vezes, porém, podemos
dizer a essa mesma pessoa: “Você pensa que não sei o que você está pensando?”.
Agora, damos a entender que dispomos de sinais – alguma coisa que foi dita, um
gesto, um olhar, uma expressão fisionômica – que nos permitem “ver” o
pensamento de alguém e, portanto, acreditamos que pensar também se traduz em
sinais corporais e visíveis. O pensamento é menos solitário e menos secreto do
que se poderia supor.
Algumas vezes, chegamos para
alguém e indagamos: “Como é, pensou?”, e ouvimos a resposta: “Sim. Vamos fazer
o trabalho”. Ou então: “Ainda estou pensando no assunto. Vamos ver depois”.
Nesses casos, pensar é tomado por nós como sinônimo de deliberação e de decisão,
como algo que resulta numa ação.
Muitas vezes, podem dizer-nos:
“Você pensa demais, não faz bem à saúde”. Ou ouvimos a frase: “Ela ficou parada
lá na esquina, quieta, pensando, pensando”. Podemos falar: “Por mais que pense
nisso não consigo acreditar e, quanto mais penso, menos acredito”. Agora,
pensar é visto como preocupação (fazendo mal à saúde), cisma (ficar parada,
quieta, cismando), dúvida (quanto mais penso, menos acredito).
Alguns jornais costumam publicar
algo que alguém disse com o título: “O pensamento do dia é…”, querendo dizer
com isso que uma determinada idéia, definindo algum assunto, foi publicamente
anunciada. Essa mesma identificação entre pensamento e idéia pode aparecer
quando, por exemplo, um crítico literário escreve: “O livro de Fulano tem
alguns bons pensamentos, mas tem outros banais”, classificando idéias em “boas”
e “banais”, isto é, umas que dizem algo novo e interessante e outras que
repetem lugares-comuns ou frivolidades. Supomos, dessa maneira, que há bons e
maus pensamentos, tanto assim que falamos em “pensamento positivo” e em
“afastar os maus pensamentos”.
Um professor pode criticar o
trabalho de um aluno dizendo-lhe: “Esse trabalho mostra que você não quis
pensar”. Aqui, pensar não é só ter idéias, mas também algo que se pode querer
ou não querer, algo voluntário e deliberado, uma forma de atenção e
concentração. Essa imagem de concentração aparece, por exemplo, quando alguém
se zanga e diz: “Querem, por favor, fazer silêncio? Não estão vendo que estou
pensando?”.
E já mencionamos o célebre
“Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), de Descartes, e a definição do
homem como “caniço pensante”, feita por Pascal. Aqui, pensar e pensamento
indicam a própria essência da natureza humana.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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