As aventuras da metafísica
O cristianismo e a tarefa da
evangelização
Ao surgir, o cristianismo era
mais uma entre as várias religiões orientais; suas raízes encontravam-se na
religião judaica, isto é, numa religião que, como todas as religiões antigas,
era nacional ou de um povo particular. No entanto, havia nele algo inexistente
no judaísmo e nas outras religiões antigas: a ideia de evangelização, isto é,
de espalhar a “boa nova” para o mundo inteiro, a fim de converter os
não-cristãos e tornar-se uma religião universal.
Ora, como converter a essa
religião pessoas de outras religiões, que possuíam um passado e um sentido
próprios para elas? Os evangelizadores usaram muitos expedientes para isso,
levando em conta as condições e a mentalidade dos que deveriam ser convertidos.
Para o nosso assunto, interessa apenas um tipo de evangelização e conversão: o
dos intelectuais gregos e romanos, isto é, daqueles que haviam sido formados
não só em religiões diferentes da judaica, como também haviam sido educados na
tradição racionalista da Filosofia. Para convertê-los e mostrar a superioridade
da verdade cristã sobre a tradição filosófica, os primeiros Padres da Igreja ou
intelectuais cristãos (são Paulo, são João, santo Ambrósio, santo Eusébio,
santo Agostinho, entre outros) adaptaram as idéias filosóficas à religião
cristã e fizeram surgir uma Filosofia cristã.
Sob vários aspectos, podemos
dizer que o cristianismo, enquanto tal, não precisava de uma filosofia:
● sendo uma religião da
salvação, seu interesse maior estava na moral, na prática dos preceitos
virtuosos deixados por Jesus, e não em uma teoria sobre a realidade;
● sendo uma religião vinda do
judaísmo, já possuía uma ideia muito clara do que era o Ser, pois Deus disse a
Moisés “Eu sou aquele que é, foi e será. Eu sou aquele que sou”;
● sendo uma religião, seu
interesse maior estava na fé e não na razão teórica, na crença e não no
conhecimento intelectual, na Revelação e não na reflexão.
Foi, portanto, o desejo de
converter os intelectuais gregos e os chefes e imperadores romanos (isto é,
aqueles que estavam acostumados à Filosofia) que “empurrou” os cristãos para a
metafísica.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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