"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

As aventuras da metafísica


O cristianismo e a tarefa da evangelização

Ao surgir, o cristianismo era mais uma entre as várias religiões orientais; suas raízes encontravam-se na religião judaica, isto é, numa religião que, como todas as religiões antigas, era nacional ou de um povo particular. No entanto, havia nele algo inexistente no judaísmo e nas outras religiões antigas: a ideia de evangelização, isto é, de espalhar a “boa nova” para o mundo inteiro, a fim de converter os não-cristãos e tornar-se uma religião universal. 

Ora, como converter a essa religião pessoas de outras religiões, que possuíam um passado e um sentido próprios para elas? Os evangelizadores usaram muitos expedientes para isso, levando em conta as condições e a mentalidade dos que deveriam ser convertidos. Para o nosso assunto, interessa apenas um tipo de evangelização e conversão: o dos intelectuais gregos e romanos, isto é, daqueles que haviam sido formados não só em religiões diferentes da judaica, como também haviam sido educados na tradição racionalista da Filosofia. Para convertê-los e mostrar a superioridade da verdade cristã sobre a tradição filosófica, os primeiros Padres da Igreja ou intelectuais cristãos (são Paulo, são João, santo Ambrósio, santo Eusébio, santo Agostinho, entre outros) adaptaram as idéias filosóficas à religião cristã e fizeram surgir uma Filosofia cristã.
Sob vários aspectos, podemos dizer que o cristianismo, enquanto tal, não precisava de uma filosofia:
● sendo uma religião da salvação, seu interesse maior estava na moral, na prática dos preceitos virtuosos deixados por Jesus, e não em uma teoria sobre a realidade;
● sendo uma religião vinda do judaísmo, já possuía uma ideia muito clara do que era o Ser, pois Deus disse a Moisés “Eu sou aquele que é, foi e será. Eu sou aquele que sou”;
● sendo uma religião, seu interesse maior estava na fé e não na razão teórica, na crença e não no conhecimento intelectual, na Revelação e não na reflexão.
Foi, portanto, o desejo de converter os intelectuais gregos e os chefes e imperadores romanos (isto é, aqueles que estavam acostumados à Filosofia) que “empurrou” os cristãos para a metafísica.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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