Os principais conceitos da metafísica aristotélica
De maneira muito breve e
simplificada, os principais conceitos da metafísica aristotélica (e que se
tornarão as bases de toda a metafísica ocidental) podem ser assim resumidos:
● primeiros princípios:
são os três princípios que estudamos na lógica, isto é, identidade,
não-contradição e terceiro excluído. Os princípios lógicos são ontológicos
porque definem as condições sem as quais um ser não pode existir nem ser
pensado; os primeiros princípios garantem, simultaneamente, a realidade e a
racionalidade das coisas;
● causas primeiras: são
aquelas que explicam o que a essência é e também a origem e o motivo da
existência de uma essência. Causa (para os gregos) significa não só o porquê
de alguma coisa, mas também o o que e o como uma coisa é o que
ela é. As causas primeiras nos dizem o que é, como é, por que é e para que é
uma essência. São quatro as causas primeiras:
1. causa material, isto é,
aquilo de que uma essência é feita, sua matéria (por exemplo, água, fogo, ar,
terra);
2. causa formal, isto é, aquilo
que explica a forma que uma essência possui (por exemplo, o rio ou o mar são
formas da água; mesa é a forma assumida pela matéria madeira com a ação do
carpinteiro; margarida é a forma que a matéria vegetal possui na essência de
uma flor determinada, etc.);
3. causa eficiente ou motriz,
isto é, aquilo que explica como uma matéria recebeu uma forma para constituir
uma essência (por exemplo, o ato sexual é a causa eficiente que faz a matéria
do espermatozoide e do óvulo receber a forma de um novo animal ou de uma criança;
o carpinteiro é a causa eficiente que faz a madeira receber a forma da mesa; o
fogo é a causa eficiente que faz os corpos frios tornarem-se quentes, etc.); e
4. a causa final, isto é, a
causa que dá o motivo, a razão ou finalidade para alguma coisa existir e ser
tal como ela é (por exemplo, o bem comum é a causa final da política, a
felicidade é a causa final da ação ética; a flor é a causa final da semente
transformar-se em árvore; o Primeiro Motor Imóvel é a causa final do movimento
dos seres naturais, etc.).
● matéria: é o elemento
de que as coisas da Natureza, os animais, os homens, os artefatos são feitos;
sua principal característica é possuir virtualidades ou conter em si mesma
possibilidades de transformação, isto é, de mudança;
● forma: é o que
individualiza e determina uma matéria, fazendo existir as coisas ou os seres
particulares; sua principal característica é ser aquilo que uma essência é num
determinado momento, pois a forma é o que atualiza as virtualidades contidas na
matéria;
● potência: é o que está
contido numa matéria e pode vir a existir, se for atualizado por alguma causa;
por exemplo, a criança é um adulto em potência ou um adulto em potencial; a
semente é a árvore em potência ou em potencial;
● ato: é a atualidade de
uma matéria, isto é, sua forma num dado instante do tempo; o ato é a forma que
atualizou uma potência contida na matéria. Por exemplo, a árvore é o ato da
semente, o adulto é o ato da criança, a mesa é o ato da madeira, etc. Potência
e matéria são idênticos, assim como forma e ato são idênticos. A matéria ou
potência é uma realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto é, da
atividade que cria os seres determinados;
● essência: é a unidade
interna e indissolúvel entre uma matéria e uma forma, unidade que lhe dá um
conjunto de propriedades ou atributos que a fazem ser necessariamente aquilo
que ela é. Assim, por exemplo, um ser humano é por essência ou essencialmente um
animal mortal racional dotado de vontade, gerado por outros semelhantes a ele e
capaz de gerar outros semelhantes a ele, etc.;
● acidente: é uma
propriedade ou atributo que uma essência pode ter ou deixar de ter sem perder
seu ser próprio. Por exemplo, um ser humano é racional ou mortal por essência,
mas é baixo ou alto, gordo ou magro, negro ou branco, por acidente. A
humanidade é a essência essencial (animal, mortal, racional, voluntário),
enquanto o acidente é o que, existindo ou não existindo, nunca afeta o ser da
essência (magro, gordo, alto, baixo, negro, branco). A essência é o universal;
o acidente, o particular;
● substância ou sujeito:
é o substrato ou o suporte onde se realizam a matéria-potência, a forma-ato,
onde estão os atributos essenciais e acidentais, sobre o qual agem as quatro
causas (material, formal, eficiente e final) e que obedece aos três princípios
lógico-ontológicos (identidade, não-contradição e terceiro excluído); em suma,
é o Ser. Aristóteles usa o conceito de substância em dois sentidos: num
primeiro sentido, substância é o sujeito individual (Sócrates, esta mesa, esta
flor, Maria, Pedro, este cão, etc.); num segundo sentido, a substância é o
gênero ou a espécie a que o sujeito individual pertence (homem, grego; animal,
bípede; vegetal, erva; mineral, ferro; etc.).
No primeiro sentido, a
substância é um ser individual existente; no segundo é o conjunto das
características gerais que os sujeitos de um gênero e de uma espécie possuem.
Aristóteles fala em substância primeira para referir-se aos seres ou
sujeitos individuais realmente existentes, com sua essência e seus acidentes
(por exemplo, Sócrates); e em substância segunda para referir-se aos
sujeitos universais, isto é, gêneros e espécies que não existem em si e por si
mesmos, mas só existem encarnados nos indivíduos, podendo, porém, ser
conhecidos pelo pensamento. Assim, por exemplo, o gênero “animal” e as espécies
“vertebrado”, “mamífero” e “humano” não existem em si mesmos, mas existem em
Sócrates ou através de Sócrates.
O gênero é um universal formado
por um conjunto de propriedades da matéria e da forma que caracterizam o que há
de comum nos seres de uma mesma espécie. A espécie também é um universal
formado por um conjunto de propriedades da matéria e da forma que caracterizam
o que há de comum nos indivíduos semelhantes. Assim, o gênero é formado por um
conjunto de espécies semelhantes e as espécies, por um conjunto de indivíduos
semelhantes. Os indivíduos ou substâncias primeiras são seres realmente
existentes; os gêneros e as espécies ou substâncias segundas são
universalidades que o pensamento conhece através dos indivíduos;
● predicados: são as oito
categorias que vimos no estudo da lógica e que também são ontológicas, porque
se referem à estrutura e ao modo de ser da substância ou da essência. Em outras
palavras, os predicados atribuídos a uma substância ou essência são
constitutivos de seu ser e de seu modo de ser, pois toda realidade pode ser
conhecida porque possui qualidades (mortal, imortal, finito, infinito, bom,
mau, etc.), quantidades (um, muitos, alguns, pouco, muito, grande, pequeno),
relaciona-se com outros (igual, diferente, semelhante, maior, menor, superior,
inferior), está em algum lugar (aqui, ali, perto, longe, no alto, embaixo, em
frente, atrás, etc.), está no tempo (antes, depois, agora, ontem, hoje, amanhã,
de dia, de noite, sempre, nunca), realiza ações ou faz alguma coisa (anda,
pensa, dorme, corta, cai, prende, cresce, nasce, morre, germina, frutifica,
floresce, etc.) e sofre ações de outros seres (é cortado, é preso, é morto, é
quebrado, é arrancado, é puxado, é atraído, é levado, é curado, é envenenado,
etc.).
As categorias ou predicados
podem ser essenciais ou acidentais, isto é, podem ser necessários e
indispensáveis à natureza própria de um ser, ou podem ser algo que um ser
possui por acaso ou que lhe acontece por acaso, sem afetar sua natureza.
Tomemos um exemplo. Se eu disser
“Sócrates é homem”, necessariamente terei que lhe dar os seguintes predicados:
mortal, racional, finito, animal, pensa, sente, anda, reproduz, fala, adoece, é
semelhante a outros atenienses, é menor do que uma montanha e maior do que um
gato, ama, odeia. Acidentalmente, ele poderá ter outros predicados: é feio, é
baixo, é diferente da maioria dos atenienses, é casado, conversou com Laques,
esteve no banquete de Agáton, esculpiu três estátuas, foi forçado a
envenenar-se pelo tribunal de Atenas.
Se nosso exemplo, porém, fosse
uma substância genérica ou específica, todos os predicados teriam de ser essenciais,
pois o acidente é o que acontece somente para o indivíduo existente e o gênero
e a espécie são universais que só existem no pensamento e encarnados nas
essências individuais.
Com esse conjunto de conceitos
forma-se o quadro da ontologia ou metafísica aristotélica como explicação
geral, universal e necessária do Ser, isto é, da realidade. Esse quadro
conceitual será herdado pelos filósofos posteriores, que problematizarão alguns
de seus aspectos, estabelecerão novos conceitos, suprimirão alguns outros,
desenvolvendo o que conhecemos como metafísica ocidental.
A metafísica aristotélica
inaugura, portanto, o estudo da estrutura geral de todos os seres ou as
condições universais e necessárias que fazem com que exista um ser e que possa
ser conhecido pelo pensamento. Afirma que a realidade no seu todo é inteligível
ou conhecível e apresenta-se como conhecimento teorético da realidade sob todos
os seus aspectos gerais ou universais, devendo preceder as investigações que
cada ciência realiza sobre um tipo determinado de ser.
A metafísica investiga:
● aquilo sem o que não há seres
nem conhecimento dos seres: os três princípios lógico-ontológicos (identidade,
não-contradição e terceiro excluído) e as quatro causas (material, formal,
eficiente e final);
● aquilo que faz um ser ser
necessariamente o que ele é: matéria, potência, forma e ato;
● aquilo que faz um ser ser
necessariamente como ele é: essência e predicados ou categorias;
● aquilo que faz um ser existir
como algo determinado: a substância individual (substância primeira) e a
substância como gênero ou espécie (substância segunda).
É isto estudar “o Ser enquanto
Ser”.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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