"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Diferença entre Aristóteles e seus predecessores



Embora a ontologia ou metafísica tenha começado com Parmênides e Platão, costuma-se atribuir seu nascimento a Aristóteles por três motivos principais:

1. diferentemente de seus dois predecessores, Aristóteles não julga o mundo das coisas sensíveis, ou a Natureza, um mundo aparente e ilusório. Pelo contrário, é um mundo real e verdadeiro cuja essência é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança incessante.
Em lugar de afastar a multiplicidade e o devir como ilusões ou sombras do verdadeiro Ser, Aristóteles afirma que o ser da Natureza existe, é real, que seu modo próprio de existir é a mudança e que esta não é uma contradição impensável. É possível uma ciência teorética verdadeira sobre a Natureza e a mudança: a física. Mas é preciso, primeiro, demonstrar que o objeto da física é um ser real e verdadeiro e isso é tarefa da Filosofia Primeira ou da metafísica.


2. diferentemente de seus dois predecessores, Aristóteles considera que a essência verdadeira das coisas naturais e dos seres humanos e de suas ações não está no mundo inteligível, separado do mundo sensível, onde as coisas físicas ou naturais existem e onde vivemos. As essências, diz Aristóteles, estão nas próprias coisas, nos próprios homens, nas próprias ações e é tarefa da Filosofia conhecê-las ali mesmo onde existem e acontecem.

Como conhecê-las? Partindo da sensação até alcançar a intelecção. A essência de um ser ou de uma ação é conhecida pelo pensamento, que capta as propriedades internas desse ser ou dessa ação, sem as quais ele ou ela não seriam o que são. A metafísica não precisa abandonar este mundo, mas, ao contrário, é o conhecimento da essência do que existe em nosso mundo. O que distingue a ontologia ou metafísica dos outros saberes (isto é, das ciências e das técnicas) é o fato de que nela as verdades primeiras ou os princípios universais e toda e qualquer realidade são conhecidos direta ou indiretamente pelo pensamento ou por intuição intelectual, sem passar pela sensação, pela imaginação e pela memória.

3. ao se dedicar à Filosofia Primeira ou metafísica, a Filosofia descobre que há diferentes tipos ou modalidades de essências ou de ousiai.
Existe a essência dos seres físicos ou naturais (minerais, vegetais, animais, humanos), cujo modo de ser se caracteriza por nascer, viver, mudar, reproduzir-se e desaparecer – são seres em devir e que existem no devir.
Existe a essência dos seres matemáticos, que não existem em si mesmos, mas existem como formas das coisas naturais, podendo, porém, ser separados delas pelo pensamento e ter suas essências conhecidas; são seres que, por essência, não nascem, não mudam, não se transformam nem perecem, não estando em devir nem no devir.
Existe a essência dos seres humanos, que compartilham com as coisas físicas o surgir, o mudar e o desaparecer, compartilhando com as plantas e os animais a capacidade para se reproduzir, mas distinguindo-se de todos os outros seres por serem essencialmente racionais, dotados de vontade e de linguagem. Pela razão, conhecem; pela vontade, agem; pela experiência, criam técnicas e artes. E, finalmente, existe a essência de um ser eterno, imutável, imperecível, sempre idêntico a si mesmo, perfeito, imaterial, conhecido apenas pelo intelecto, que o conhece como separado de nosso mundo, superior a tudo que existe, e que é o ser por excelência: o ser divino.
Se há tão diferentes tipos de essências, se para cada uma delas há uma ciência (física, biologia, meteorologia, astronomia, psicologia, matemática, ética, política, etc.), deve haver uma ciência geral, mais ampla, mais universal, anterior a todas essas, cujo objeto não seja essa ou aquela modalidade de essência, mas a essência em geral. Trata-se de uma ciência teorética que investiga o que é a essência e aquilo que faz com que haja essências particulares e diferenciadas.
Essa ciência mais alta, mais ampla, mais universal, que se ocupa com a essência, que estuda por que há essências e como são as essências investigadas pelas demais ciências, é a Filosofia Primeira, escreve Aristóteles no primeiro livro da Metafísica.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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