"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O Barroco (Parte 01/03)

Pietro da Cortona: O triunfo da Divina Providência, 1633-1639.
Afresco em teto do Palazzo Barberini, Roma

O Barroco (Páginas 243-251.)

(…)
Sofia olhou para Alberto. Só então percebeu que ele estava usando outra fantasia.
A primeira coisa que chamou sua atenção foi uma peruca longa, toda cacheada. Depois viu que ele usava uma roupa larga, de corte abaulado, e toda rendada. Em volta do pescoço havia um lenço de seda bem espalhafatoso e de trás do pescoço saía ainda uma capa vermelha. Nas pernas Alberto usava meias brancas e, nos pés, finos sapatos de verniz com laços. Todo aquele traje lembrava a Sofia os quadros que retratavam a corte de Luís XIV.

(…)
— Vamos nos sentar na sala, minha querida aluna. Que horas são?
— Quatro.
— Hoje vamos falar sobre o século XVII.
Os dois foram, então, até a sala que tinha o teto inclinado e a clarabóia. Sofia percebeu que Alberto trocara a posição de alguns objetos desde a última vez que ela estivera ali.
Sobre a mesa havia uma caixa antiga com uma verdadeira coleção de diferentes lentes de óculos. Ao lado da caixa havia um livro aberto. Um livro muito antigo.
— O que é isto? — perguntou ela.
— Esta é a primeira edição do Discurso do método, de René Descartes. O livro é de 1637 e é uma das minhas peças preferidas.
— E esta caixinha…
— …ela contém uma coleção exclusiva de lentes, ou vidros ópticos. Eles foram polidos em meados do século XVII pelo filósofo holandês Spinoza. Essas lentes me custaram uma pequena fortuna, mas também estão entre os meus objetos preferidos.
— Eu poderia entender melhor o valor do livro e da caixa de lentes se soubesse alguma coisa sobre Descartes e Spinoza.
— É claro. Primeiro, porém, vamos tentar entender um pouco melhor o tempo em que eles viveram. Sente-se.
— Os dois se sentaram como da última vez: Sofia numa poltrona muito confortável e Alberto Knox no sofá. Entre eles havia a mesinha, sobre a qual estavam o livro e a caixa com as lentes. Quando se sentaram, Alberto tirou a peruca e a colocou sobre a escrivaninha.
— Vamos falar sobre o século XVII, ou seja, sobre a época que costumamos chamar de período barroco.
— “Barroco” não é um nome esquisito?
— A designação “barroco” tem sua origem numa palavra que na verdade significa “pérola irregular”. Típicas para a arte do Barroco foram as formas opulentas, cheias de contrastes, bem ao contrário das formas mais despojadas e mais harmônicas da arte do Renascimento. O século XVII foi particularmente marcado pela tensão entre opostos irreconciliáveis. De um lado, continuava a existir a visão de mundo do Renascimento, otimista e de exaltação da vida; de outro, o extremo oposto desta visão também encontrava muitos adeptos, que preferiam abraçar uma vida de reclusão religiosa e negação do mundo. Tanto na arte quanto na própria vida, encontramos uma verdadeira opulência de formas expressivas. Ao mesmo tempo, observamos nos mosteiros o surgimento de movimentos cujo objetivo era o isolamento do mundo.
— Castelos imponentes e mosteiros escondidos, portanto.
— Sem dúvida você pode expressar a coisa dessa forma. Uma palavra de ordem do Barroco era o dito latino Carpe diem, que significa “Aproveita o dia de hoje!”. Outro dito latino bastante em voga foi Memento mori, que significa “Lembra-te, homem, que morrerás um dia!”. Na pintura, um mesmo quadro podia mostrar a opulência da vida levada à larga, enquanto num dos cantos inferiores aparecia retratada uma caveira. Em muitos aspectos, o Barroco foi marcado pela vaidade e pela irracionalidade. Mas também havia muitos que se preocupavam com o reverso da medalha, isto é, com a transitoriedade de todas as coisas, com o fato de que tudo o que hoje é belo ao nosso redor vai morrer e apodrecer um dia.
— E é verdade. Acho triste o pensamento de que nada dura para sempre.
— Então você pensa exatamente como o homem do século XVII. Também do ponto de vista político, o Barroco foi uma época de contrastes. De um lado, a Europa foi devastada por guerras. A pior delas foi a Guerra dos Trinta Anos, que devastou quase toda a Europa entre 1618 e 1648. Na verdade, esta guerra se constituiu de muitas guerras menores, sendo que a Alemanha foi o país que mais sofreu suas conseqüências danosas. Também em decorrência da Guerra dos Trinta Anos, a França foi se tornando pouco a pouco a potência dominante na Europa.
— E qual foi o motivo dessa guerra?
— Tratava-se basicamente de uma luta entre protestantes e católicos. Mas também havia a briga pelo poder político.
— Mais ou menos como no Líbano.
— Além disso, o século XVII foi marcado por enormes diferenças de classes. Você certamente já ouviu falar da aristocracia francesa e da corte de Versalhes. Não estou bem certo, porém, se você também já ouviu falar da miséria do povo daquela época. Sim, porque toda exibição de ostentação é também uma exibição de poder. Costuma-se dizer que a situação política do Barroco pode ser comparada com a arte e a arquitetura daquela época. As obras arquitetônicas do Barroco eram sobrecarregadas de ornamentos que ocultavam as linhas da estrutura. Um correlato disso na política seriam os assassinatos, as intrigas e as conspirações.
— Não teve um rei sueco que foi assassinado num teatro naquela época?
— Você está pensando em Gustavo III, e este é um bom exemplo para o que eu estou falando. O assassinato de Gustavo III aconteceu no ano de 1792, em condições verdadeiramente “barrocas”. Ele foi assassinado num grande baile de máscaras.
— E acho que foi num teatro.
— O baile de máscaras aconteceu na Ópera e podemos dizer que o assassinato de Gustavo III pôs um fim ao Barroco na Suécia. O reinado de Gustavo III foi marcado pelo que chamamos de despotismo esclarecido, mais ou menos como tinha sido o reinado de Luís XIV, quase um século antes. Além disso, Gustavo III era um homem extremamente vaidoso, que apreciava muito todas as cerimônias e cortesias francesas. E note que ele também adorava o teatro…
— E foi o teatro que selou o seu destino.
— Sim. Aliás, o teatro foi mais do que apenas uma forma de arte do Barroco. Ele também foi o símbolo por excelência de seu tempo.
— E o que ele simbolizava?
— A vida, Sofia. Não sei quantas vezes se disse no século XVII que “A vida é um teatro”. Foram muitas vezes. E foi precisamente durante o Barroco que surgiu o teatro moderno, com toda a sua parafernália de cenários e maquinaria. O teatro criava em cena uma ilusão, para depois desmascará-la na própria peça encenada. Assim, o teatro refletia a própria vida, mostrava que a altivez precede a decadência e representava a mesquinhez humana de forma impiedosa.

Extratos da obra de GAARDER, Jostein.
O Mundo de Sofia. Romance da História da Filosofia.
São Paulo: Cia das Letras, 1996.

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