O Barroco (Parte 03/03)
A valorização das luzes, movimentos e santos:
pontos fundamentais da arte barroca.
— E a filosofia?
— Também ela foi marcada por lutas acirradas entre modos de pensar contraditórios. Como já vimos, alguns filósofos consideravam a existência algo de natureza fundamentalmente anímica ou espiritual. Chamamos este ponto de vista de idealismo. O ponto de vista oposto se chama materialismo e designa uma filosofia que explica todos os fenômenos da existência a partir de grandezas concretas, materiais. No século XVII, o materialismo também teve muitos defensores. O de maior influência talvez tenha sido o filósofo inglês Thomas Hobbes. Ele dizia que todos os fenômenos – o que inclui homens e animais, portanto – se compunham exclusivamente de partículas materiais. Até mesmo a consciência, ou a alma, humana teria sua origem no movimento de minúsculas partículas cerebrais.
— Então ele achava a mesma coisa que Demócrito, que viveu dois mil anos antes dele.
— Idealismo e materialismo são duas constantes que atravessam toda a história da filosofia. Só que raríssimas vezes esses dois pontos de vista apareceram de forma tão flagrante num mesmo período quanto no Barroco. O materialismo foi amplamente nutrido pela nova ciência natural. Newton havia chamado a atenção para o fato de as mesmas leis do movimento valerem para todo o universo. Além disso, ele atribuiu à lei da gravidade e do movimento dos corpos todas as transformações da natureza, tanto na Terra quanto no espaço. Tudo seria determinado, portanto, pelas mesmas e imutáveis leis, ou seja, pela mesma mecânica. Em princípio, portanto, podemos calcular cada transformação da natureza com precisão matemática. Com isto, Newton colocou a última pedra no alicerce da chamada visão mecanicista do mundo.
— Ele imaginava o mundo como sendo uma grande máquina?
— Exatamente. A palavra “mecanismo” vem do grego méchané, que significa máquina. Contudo, é bom notar que nem Hobbes, nem Newton viam uma contradição entre a visão mecânica do mundo e a crença em Deus. O mesmo não se pode dizer de todos os materialistas dos séculos XVIII e XIX. Em meados do século XVII, aproximadamente, o médico e filósofo francês Lamettrie escreveu um livro intitulado L’homme plus que machine, que significa “O homem: máquina perfeita”. Ele escreveu que assim como as pernas possuem músculos para andar, também o cérebro possuiria “músculos” para pensar. Mais tarde, o matemático francês Laplace levou ao extremo a acepção mecânica com o seguinte pensamento: se uma inteligência pudesse saber a posição de todas as partículas de matéria em dado momento, todas as nossas dúvidas se dissipariam e o futuro e o passado se descortinariam diante de nossos olhos. A idéia por trás disso é a de que tudo o que vai acontecer “já está escrito”. Esta visão de mundo é chamada de determinista.
— Quer dizer que o homem não possui livre-arbítrio?
— Não. Tudo isto é produto de processos mecânicos, inclusive nossos pensamentos e sonhos. No século XIX, materialistas alemães afirmavam que os pensamentos estavam para o cérebro assim como a urina estava para os rins e a bílis para o fígado.
— Mas urina e bílis são duas coisas concretas. Os pensamentos não.
— Observação importante. Vou lhe contar uma história que expressa a mesma coisa. Certa vez, um cosmonauta e um neurologista russos discutiam sobre religião. O neurologista era cristão, e o cosmonauta não. “Já estive várias vezes no espaço”, gabou-se o cosmonauta, “e nunca vi nem Deus, nem anjos”. “E eu já operei muitos cérebros inteligentes”, respondeu o neurologista, “e também nunca achei um único pensamento”.
— O que não significa que os pensamentos não existam.
— Exatamente. A anedota apenas mostra que os pensamentos são algo completamente diferente de tudo o que se possa amputar ou dividir em partes menores. Por exemplo, não é nada fácil eliminar cirurgicamente uma delusão. De certa forma, ela é profunda demais para ser removida dessa forma. Um importante filósofo do século XVII, Leibniz, disse que a grande diferença entre tudo o que é feito de matéria e tudo o que é feito de espírito está no fato de que o material pode ser decomposto em unidades cada vez menores, ao passo que a alma não pode ser cortada em pedaços.
— É verdade… que tipo de faca a gente usaria para isto?
Alberto se limitou a fazer um gesto com a cabeça. Então apontou para a mesinha que estava entre eles e disse:
— Os dois filósofos mais importantes do século XVII foram Descartes e Spinoza. Também eles dedicaram sua reflexão a questões tais como a relação entre alma e corpo. Vamos ver um pouco mais em detalhe esses dois filósofos.
— Vamos lá. Mas se não terminarmos até as sete horas, preciso ligar para a minha mãe.
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