O Barroco (Parte 02/03)
— William Shakespeare também viveu no Barroco?
— Sim. Shakespeare escreveu suas grandes peças por volta de 1600, o que o coloca com um pé no Renascimento e outro no Barroco. Mas já em Shakespeare encontramos muitas citações que reforçam esta idéia de que a vida é um teatro. Você quer ouvir algumas?
— Quero sim.
— Na peça Como gostais, ele diz:
O mundo é um palco, e homens e mulheres, não mais que meros atores. Entram e saem de cena e durante a sua vida não fazem mais do que desempenhar alguns papéis.
E em Macbeth lemos:
A vida é uma sombra errante;
Um pobre comediante, que se pavoneia
No breve instante que lhe reserva a cena,
Para depois não ser mais ouvido.
É um conto de fadas, que nada significa,
Narrado por um idiota, cheio de voz e fúria.
— Isto é muito pessimista.
— É que Shakespeare estava preocupado com a brevidade da vida. Talvez você já tenha ouvido a mais célebre citação de Shakespeare…
— Ser ou não ser, eis a questão.
— Sim, foi Hamlet quem disse isso. Hoje estamos por aqui e amanhã poderemos não estar.
— Obrigada pela explicação, mas a mensagem foi clara.
— E quando não comparavam a vida com um teatro, os poetas do Barroco a comparavam com um sonho. Assim, por exemplo, Shakespeare disse: “Somos feitos da mesma matéria que compõe os sonhos, e nossa breve vida está envolta em sono…”.
— Que poético…
— O poeta dramático espanhol Calderón de la Barca, que nasceu por volta de 1600, escreveu uma peça de teatro intitulada A vida é sonho. Nela ele diz: “O que é a vida? Fúria! O que é a vida? Espuma oca! Um poema, uma sombra quase! E a sorte não pode dar senão pouco: pois a vida é sonho e os sonhos, sonho…”.
— Talvez ele tenha razão. Na escola a gente leu a peça Jeppe vom Berge.
— De Ludvig Holberg. Sim, um autor da transição entre o Barroco e o Iluminismo muito importante aqui no Norte.
— Jeppe adormece na vala de uma estrada… e acorda na cama de um barão. Quando acorda, acha que sonhou que um dia foi um pobre e grosseiro camponês. Depois, é carregado de volta para a vala enquanto dorme. Desta vez, quando acorda, acha que sonhou que esteve deitado na cama de um barão.
— Holberg buscou inspiração em Calderón de la Barca, que, por sua vez, foi buscar inspiração para sua peça nos contos árabes das Mil e uma noites. Mas a comparação da vida com um sonho é um tema cujas raízes remontam a um passado longínquo e se estendem até a Índia e a China. O antigo sábio chinês Chuang-Tsu (350 a.C., aproximadamente) sonhou certa vez que era uma borboleta. Quando acordou, Chuang-Tsu se perguntou se era um homem que tinha sonhado que era uma borboleta ou era uma borboleta que agora estava sonhando que era um homem.
— Nesse caso fica difícil provar qual das opções está correta.
— Na Noruega tivemos um genuíno poeta barroco chamado Petter Dass, que viveu de 1647 a 1707. De um lado, ele queria retratar a vida aqui e agora; de outro, dizia que só Deus era eterno e constante.
— Deus é Deus, fosse erma toda a Terra, Deus é Deus, estivessem mortos todos os homens…
— No mesmo coral, porém, ele também fala da cultura do Norte da Noruega e faz referência ao salmão, ao badejo e ao bacalhau, entre outras coisas. Um recurso típico do Barroco. Num mesmo texto fala-se de coisas terrenas, quer dizer, “do lado de cá”, e de coisas celestiais, ou seja, “do lado de lá”. Tudo isto nos faz lembrar da divisão que Platão estabeleceu entre o mundo dos sentidos, concreto, e o mundo das idéias, imutável.
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