Filosofia Grega: Período sistemático
Este período tem como principal nome o filósofo Aristóteles
de Estagira, discípulo de Platão.
Passados quase quatro séculos de Filosofia, Aristóteles
apresenta, nesse período, uma verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi
produzido e acumulado pelos gregos em todos os ramos do pensamento e da prática
considerando essa totalidade de saberes como sendo a Filosofia. Esta, portanto,
não é um saber específico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer todas
as coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que
conhece.
Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade dos
conhecimentos e práticas humanas, ela também estabelece uma diferença entre
esses conhecimentos, distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples e
inferiores aos mais complexos e superiores. Essa classificação e distribuição
dos conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os campos de investigação
da Filosofia como totalidade do saber humano.
Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto
específico, procedimentos específicos para sua aquisição e exposição, formas
próprias de demonstração e prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência
(ciência, em grego, é episteme).
Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento constituir
seu objeto e seu campo próprios, seus procedimentos próprios de aquisição e
exposição, de demonstração e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis gerais
que governam o pensamento, independentemente do conteúdo que possa vir a ter.
O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação
com seu conteúdo, chama-se lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica
como instrumento do conhecimento em qualquer campo do saber.
A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a
ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por Aristóteles, a
lógica não aparece, embora ela seja indispensável para a Filosofia e, mais
tarde, tenha se tornado um dos ramos específicos dela.
Os campos do conhecimento filosófico
Vejamos, pois, a classificação aristotélica:
● Ciências produtivas: ciências que estudam as
práticas produtivas ou as técnicas, isto é, as ações humanas cuja finalidade
está para além da própria ação, pois a finalidade é a produção de um objeto, de
uma obra. São elas: arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa),
economia (cujo fim é a produção agrícola, o artesanato e o comércio, isto é,
produtos para a sobrevivência e para o acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim
é produzir a saúde ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro, oratória,
arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, todas as atividades
humanas técnicas e artísticas que resultam num produto ou numa obra.
● Ciências práticas: ciências que estudam as
práticas humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a
finalidade da ação se realiza nela mesma, é o próprio ato realizado. São elas:
ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para alcançar o
bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais (coragem, generosidade,
fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade, justiça, modéstia,
honradez, temperança, etc.); e política, em que a ação é realizada pela vontade
guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum.
Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a
política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode
haver vida virtuosa, só é conseguida na polis. Por isso, a finalidade da
política é a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre.
● Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas:
são aquelas que estudam coisas que existem independentemente dos homens e de
suas ações e que, não tendo sido feitas pelos homens, só podem ser contempladas
por eles. Theoria, em grego, significa contemplação da verdade. O que
são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas, independentes de nossa
ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e política? São as coisas da
Natureza e as coisas divinas. Aristóteles, aqui, classifica também por graus de
superioridade as ciências teóricas, indo da mais inferior à superior:
1. ciência das coisas naturais submetidas à mudança
ou ao devir: física, biologia, meteorologia, psicologia (pois a alma, que em
grego se diz psychê, é um ser natural, existindo de formas variadas em
todos os seres vivos, plantas, animais e homens);
2. ciência das coisas naturais que não estão
submetidas à mudança ou ao devir: as matemáticas e a astronomia (os gregos
julgavam que os astros eram eternos e imutáveis);
3. ciência da realidade pura, que não é nem natural
mutável, nem natural imutável, nem resultado da ação humana, nem resultado da
fabricação humana. Trata-se daquilo que deve haver em toda e qualquer
realidade, seja ela natural, matemática, ética, política ou técnica, para ser
realidade. É o que Aristóteles chama de ser ou substância de tudo
o que existe. A ciência teórica que estuda o puro ser chama-se metafísica;
4. ciência teórica das coisas divinas que são a
causa e a finalidade de tudo o que existe na Natureza e no homem. Vimos que as
coisas divinas são chamadas de theion e, por isso, esta última ciência
chama-se teologia.
A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais alto
na metafísica e na teologia, de onde derivam todos os outros conhecimentos.
A partir da classificação aristotélica, definiu-se, no
correr dos séculos, o grande campo da investigação filosófica, campo que só
seria desfeito no século XIX da nossa era, quando as ciências particulares se
foram separando do tronco geral da Filosofia. Assim, podemos dizer que os
campos da investigação filosófica são três:
1º. O do conhecimento da realidade última de todos
os seres, ou da essência de toda a realidade. Como, em grego, ser se diz
on e os seres se diz ta onta, este campo é chamado de ontologia
(que, na linguagem de Aristóteles, se formava com a metafísica e a teologia).
2º. O do conhecimento das ações humanas ou dos
valores e das finalidades da ação humana: das ações que têm em si mesmas sua
finalidade, a ética e a política, ou a vida moral (valores morais) e a vida
política (valores políticos); e das ações que têm sua finalidade num produto ou
numa obra: as técnicas e as artes e seus valores (utilidade, beleza, etc.).
3º. O do conhecimento da capacidade humana de
conhecer, isto é, o conhecimento do próprio pensamento em exercício. Aqui,
distinguem-se: a lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do
conhecimento, que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências
propriamente ditas e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a epistemologia.
Ser ou realidade, prática ou ação segundo valores,
conhecimento do pensamento em suas leis gerais e em suas leis específicas em
cada ciência: eis os campos da atividade ou investigação filosófica.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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