O ideal republicano
À volta dos castelos feudais,
durante a Idade Média, formaram-se aldeias ou burgos. Enquanto na sociedade
como um todo prevalecia a relação de vassalagem – juramento de fidelidade
prestado por um inferior a um superior que prometia proteger o vassalo -, nos
burgos, a divisão social do trabalho fez aparecer uma outra organização social,
a corporação de ofício. Tecelões, pedreiros, ferreiros, médicos, arquitetos,
comerciantes, etc. organizavam-se em confrarias, em que os membros estavam
ligados por um juramento de confiança recíproca.
Embora internamente as
corporações também fossem hierárquicas, era possível, a partir de regras
convencionadas entre seus membros, ascender na hierarquia e, externamente, nas
relações com outras corporações, todos eram considerados livres e iguais. As
corporações fazem surgir uma nova classe social que, nos séculos seguintes, irá
tornar-se economicamente dominante e buscará também o domínio político: a
burguesia, nascida nos burgos.
Desde o início do século XV, em
certas regiões da Europa, as antigas cidades do Império Romano e as novas
cidades surgidas dos burgos medievais entram em desenvolvimento econômico e
social. Grandes rotas comerciais tornam poderosas as corporações e as famílias
de comerciantes, enquanto o poderio agrário dos barões começa a diminuir.
As cidades estão iniciando o que
viria a ser conhecido como capitalismo comercial ou mercantil. Para
desenvolvê-lo, não podem continuar submetidas aos padrões, às regras e aos
tributos da economia feudal agrária e iniciam lutas por franquias econômicas.
As lutas econômicas da burguesia nascente contra a nobreza feudal prosseguem
sob a forma de reivindicações políticas: as cidades desejam independência em
face de barões, reis, papas e imperadores.
Na Itália, a redescoberta das
obras de pensadores, artistas e técnicos da cultura greco-romana,
particularmente das antigas teorias políticas, suscitam um ideal político novo:
o da liberdade republicana contra o poder teológico-político de papas e
imperadores.
Estamos no período conhecido
como Renascimento, no qual se espera reencontrar o pensamento, as artes, a
ética, as técnicas e a política existentes antes que o saber tivesse sido
considerado privilégio da Igreja e os teólogos houvessem adquirido autoridade
para decidir o que poderia e o que não poderia ser pensado, dito e feito.
Filósofos, historiadores, dramaturgos, retóricos, tratados de medicina,
biologia, arquitetura, matemática, enfim, tudo o que fora criado pela cultura
antiga é lido, traduzido, comentado e aplicado.
Esparta, Atenas e Roma são tomadas
como exemplos da liberdade republicana. Imitá-las e valorizar a prática
política, a vita activa, contra o
ideal da vida espiritual contemplativa imposto pela Igreja. Fala-se, agora, na
liberdade republicana e na vida política como as formas mais altas da dignidade
humana.
Nesse ambiente, entre 1513 e
1514, em Florença, é escrita a obra que inaugura o pensamento político moderno:
O príncipe, de Maquiavel.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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