"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Razão louca e razão sábia


Os tempos modernos surgiram mar­cados pelo ideal da racionalidade que culminou no Iluminismo do século XVIII. Superando a concepção medie­val, centrada na tradição e na visão re­ligiosa do mundo, a modernidade se toma laica (não-religiosa) e busca na ra­zão a possibilidade da autonomia do homem. O desenvolvimento técnico e científico é a expressão do racionalismo dos tempos modernos.
Mas, quando nos referimos à racio­nalidade da sociedade contemporânea, é bom indagar a respeito de que razão estamos falando. A razão que serve pa­ra o desenvolvimento da técnica é a ra­zão instrumental, bem diferente da razão vital, por meio da qual o homem se tor­na capaz de compreender criticamente a situação em que vive.
Ora, se nunca o homem teve tanto saber nem tanto poder em suas mãos, também é verdade que o acréscimo de saber e de poder não tem sido acom­panhado de sabedoria. O homem con­temporâneo sabe o que fazer e como fa­zer, mas perdeu de vista o para que fazer. 

O "especialista competente" pode ser o "aprendiz de feiticeiro" que não reflete suficientemente bem a respeito dos fins de sua ação. Fazemos essa triste constatação quando nos defrontamos com o desequilíbrio entre riqueza e mi­séria, a violência das guerras com seus armamentos sofisticados, os níveis in­suportáveis de competição, o consumo desenfreado criando necessidades arti­ficiais, as desordens morais da socieda­de centrada nos valores de posse.
Além disso, uma das inúmeras con­tradições da sociedade pós-industrial é que o homem se acha saturado de in­formações inúmeras e complexas, mas tão rápidas e fragmentadas (como um videoclipe!), que nem sempre é capaz de reorganizá-las de forma crítica. A grande "maioria silenciosa" é despolitizada e mais preocupada com os pro­blemas do seu cotidiano individual, com os problemas práticos de alcance imediato.
Presenciamos no século XX um pe­ríodo de crise: a razão, que deveria ser­vir para vincular o homem ao real a fim de compreendê-lo, para escolher o que é melhor para sua vida, essa razão se acha "enlouquecida".
O trabalho da filosofia consiste em recuperar a razão sábia, a razão vital, como instrumento para resgatar o sen­tido humano do mundo.

Fonte:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).

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