Técnica e ciência
Um esforço imenso é despendido pelo homem no domínio da natureza. Na
medida do possível, alguns reservam para si as funções leves e encarregam
outros do trabalho mais penoso. A predominância de escravos e servos no
exercício das atividades manuais sempre levou à desvalorização desse tipo de
trabalho, enquanto apenas as atividades intelectuais eram consideradas
verdadeiramente dignas do homem.
Os romanos, retomando a tradição da Grécia, chamavam de ócio (otium) não propriamente a ausência
de ação, mas o ocupar-se com as ciências, as artes, o trato social, o governo,
o lazer produtivo. Ao ócio opunham o negócio
(o nec otium, ou seja, a negação
do otium), enquanto atividade que tem
por função satisfazer as necessidades elementares. Evidentemente é o ócio que
constitui para eles o ser próprio do
homem, e alcançá-lo era privilégio reservado a poucos.
Tal maneira de pensar supõe a existência da divisão social com a
manutenção do sistema escravista ou da servidão. Mesmo Aristóteles sabia
disso, e diz, em sua Política, que
haveria escravidão enquanto as lançadeiras não trabalhassem sozinhas.
A partir do final da Idade Média surge uma nova concepção a respeito
da importância da técnica. Antes desvalorizada, ela torna-se o instrumento adequado
para transformar o homem em "mestre e senhor da natureza".
Averiguando as
circunstâncias sociais e econômicas que possibilitaram uma mudança tão
decisiva para a história da humanidade, encontramos no surgimento da burguesia
os elementos que tornaram necessária a nova maneira de pensar e agir. Os
burgueses, ligados ao artesanato e comércio, valorizavam o trabalho e tinham
espírito empreendedor. Ora, o sucesso e enriquecimento desse novo segmento social
passam a exigir cada vez mais o concurso da técnica para a ampliação dos
negócios: construção de navios mais ágeis, utilização da bússola para a
orientação nos mares em busca de novos portos, aperfeiçoamento dos relógios
(tempo é dinheiro!). Um bom exemplo do efeito transformador da técnica é a
pólvora. Conhecida há muito nas civilizações orientais, como a China, onde era
utilizada na confecção de fogos de artifício, ao ser levada para a Europa, irá
redimensionar as artes bélicas, ao ser usada em canhões para o ataque aos até
então quase inacessíveis castelos da nobreza.
A valorização da técnica altera a concepção de ciência. Se antes o
saber era contemplativo, ou seja, voltado para a compreensão desinteressada da
realidade, o novo homem busca o saber
ativo, o conhecimento capaz de atuar sobre o mundo, transformando-o. Essa
nova mentalidade permite o advento da ciência moderna. Galileu, ao tornar
possível a Revolução Científica no século XVII, estabelece fecunda aliança
entre o labor da mente e o trabalho das mãos, o que irá marcar a relação
entre ciência e técnica:
• A técnica torna a ciência cada vez mais precisa e objetiva. Por
exemplo, o termômetro mede a temperatura melhor do que o faz a nossa pele.
• A ciência é um conhecimento rigoroso capaz de provocar a evolução
das técnicas; a tecnologia moderna
nada mais é do que ciência aplicada. Por
exemplo, os estudos de termologia dão condições para a construção de termômetros
mais precisos.
São profundas as alterações provocadas pelo advento da tecnologia em
todos os setores da vida humana. Pode-se dizer que, em nenhum lugar e em tempo
algum da história da humanidade, ocorreram transformações tão fundamentais e
com tal rapidez. Por maiores que sejam as diferenças entre as culturas do
Antigo Oriente do terceiro milênio a.C e a da Europa do século XV, nada se
compara à transformação radical no modo de vida que se opera do século XVIII
ao final do século XX: em apenas trezentos anos, a ciência e a tecnologia
alteraram fundamentalmente a maneira de viver e de pensar do homem
contemporâneo.
Fonte:
ARANHA, Maria
Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São
Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).
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