A linguagem (resumindo)
A linguagem em sentido amplo
(isto é, englobando língua, fala e palavra) é constituída por quatro fatores
fundamentais:
1. fatores físicos (anatômicos,
neurológicos, sensoriais), que determinam para nós a possibilidade de falar,
escutar, escrever e ler;
2. fatores socioculturais, que
determinam a diferença entre as línguas e entre as línguas dos indivíduos.
Assim, o português e o inglês correspondem a sociedades e culturas diferentes,
bem como a linguagem de Machado de Assis e de Guimarães Rosa correspondem a
momentos diferentes da cultura no Brasil;
3. fatores psicológicos
(emocionais, afetivos, perceptivos, imaginativos, lembranças, inteligência) que
criam em nós a necessidade e o desejo da informação e da comunicação, bem como
criam nossa capacidade para a performance linguística, seja ela cotidiana,
artística, científica ou filosófica;
4. fatores linguísticos
propriamente ditos, isto é, a estrutura e o funcionamento da linguagem que
determinam nossa competência e nossa performance enquanto seres capazes de
criar e compreender significações.
Esses fatores nos dizem por que
existe linguagem e como ela funciona, mas não nos dizem o que é a
linguagem. É a perspectiva fenomenológica que nos orienta para sabermos não só
o que é a linguagem, mas também qual é seu papel fundamental no conhecimento:
● a linguagem não é mecanismo
psicomotor (os fatores 1 e 3 apresentam as condições biológicas e psicológicas
para haver linguagem, mas não qual é a natureza da experiência da palavra);
● a linguagem não é simples
relação binária entre signo e coisa, signo e ideia, mas é uma relação ternária,
na qual os signos são símbolos que veiculam significações;
● a linguagem não traduz
pensamentos, mas participa ativamente da formação e formulação das idéias e dos
valores;
● a linguagem é uma forma de
nossa experiência total de seres que vivem no mundo e com outros; é uma
dimensão de nossa existência;
● a linguagem, como a percepção
e a imaginação, pode comprazer-se no já dado, já dito e já pensado, no
instituído e estabelecido, ficando escrava dos preconceitos e das ideologias,
pois, como disse Platão, ela pode ser remédio, veneno e máscara. Pode bloquear
nosso conhecimento e pode produzir desconhecimento (mentira, desinformação). É,
assim, nosso meio de acesso ao mundo, aos outros e à verdade, mas também o
instrumento do engano, do falso e da mentira;
● a linguagem cria, interpreta e
decifra significações, podendo fazê-lo miticamente ou logicamente, magicamente
ou racionalmente, simbolicamente ou conceitualmente.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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