A origem da linguagem
Durante muito tempo a Filosofia
preocupou-se em definir a origem e as causas da linguagem.
Uma primeira divergência sobre o
assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural aos homens (existe por
natureza) ou é uma convenção social? Se a linguagem for natural, as palavras
possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional, são decisões
consensuais da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias, isto é, a sociedade
poderia ter escolhido outras palavras para designar as coisas. Essa discussão
levou, séculos mais tarde, à seguinte conclusão: a linguagem como
capacidade de expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem
com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite
expressarem-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, isto é,
surgem de condições históricas, geográficas, econômicas e políticas
determinadas, ou, em outros termos, são fatos culturais. Uma vez constituída
uma língua, ela se torna uma estrutura ou um sistema dotado de necessidade
interna, passando a funcionar como se fosse algo natural, isto é, como algo que
possui suas leis e princípios próprios, independentes dos sujeitos falantes que
a empregam.
Perguntar pela origem da
linguagem levou a quatro tipos de respostas:
1. a linguagem nasce por
imitação, isto é, os humanos imitam, pela voz, os sons da Natureza (dos
animais, dos rios, das cascatas e dos mares, do trovão e do vulcão, dos ventos,
etc.). A origem da linguagem seria, portanto, a onomatopéia ou imitação dos
sons animais e naturais;
2. a linguagem nasce por
imitação dos gestos, isto é, nasce como uma espécie de pantomima ou encenação,
na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco, o gesto passou a ser acompanhado
de sons e estes se tornaram gradualmente palavras, substituindo os gestos;
3. a linguagem nasce da
necessidade: a fome, a sede, a necessidade de abrigar-se e proteger-se, a
necessidade de reunir-se em grupo para defender-se das intempéries, dos animais
e de outros homens mais fortes levaram à criação de palavras, formando um
vocabulário elementar e rudimentar, que, gradativamente, tornou-se mais
complexo e transformou-se numa língua;
4. a linguagem nasce das
emoções, particularmente do grito (medo, surpresa ou alegria), do choro (dor,
medo, compaixão) e do riso (prazer, bem-estar, felicidade). Citando novamente
Rousseau em seu Ensaio sobre a origem das línguas:
Não é a fome ou a sede, mas o
amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram
as primeiras vozes… Eis por que as primeiras línguas foram cantantes e
apaixonadas antes de serem simples e metódicas.
Assim, a linguagem, nascendo das
paixões, foi primeiro linguagem figurada e por isso surgiu como poesia e canto,
tornando-se prosa muito depois; e as vogais nasceram antes das consoantes.
Assim como a pintura nasceu antes da escrita, assim também os homens primeiro
cantaram seus sentimentos e só muito depois exprimiram seus pensamentos.
Essas teorias não são
excludentes. É muito possível que a linguagem tenha nascido de todas essas
fontes ou modos de expressão, e os estudos de Psicologia Genética (isto é, da
gênese da percepção, imaginação, memória, linguagem e inteligência nas
crianças) mostra que uma criança se vale de todos esses meios para começar a
exprimir-se. Uma linguagem se constitui quando passa dos meios de expressão aos
de significação, ou quando passa do expressivo ao significativo. Um gesto ou um
grito exprimem, por exemplo, medo; palavras, frases e enunciados significam o
que é sentir medo, dão conteúdo ao medo.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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