Purificar a linguagem
Uma dessas correntes filosóficas
desenvolveu-se no século passado com o nome de positivismo lógico. Os
positivistas lógicos distinguiram duas linguagens:
1. a linguagem natural, isto é,
aquela que usamos todos os dias e que é imprecisa, confusa, mescla de elementos
afetivos, volitivos, perceptivos e imaginativos;
2. a linguagem lógica, isto é,
uma linguagem purificada, formalizada (ou seja, com enunciados sem conteúdo e
avaliadores do conteúdo das linguagens científicas e filosóficas), inspirada na
matemática e sobretudo na física.
Essa linguagem obedecia a
princípios e regras lógicas precisas e funcionava por meio de operações
chamadas cálculos simbólicos (semelhantes às operações da matemática), que
permitiam avaliar com exatidão se um enunciado era verdadeiro ou falso. Dava-se
ênfase à sintaxe lógica dos enunciados, que asseguraria a verdade
representativa e indicativa da linguagem. A conotação foi afastada.
A linguagem lógica era uma metalinguagem,
isto é, uma segunda linguagem que falava sobre língua natural e sobre linguagem
científica para saber se os enunciados delas eram verdadeiros ou falsos. Assim,
por exemplo, na linguagem comum e diária dizemos: “O livro é de autoria de José
Antônio Silva” e, na metalinguagem lógica, diremos: “A proposição ‘O livro é de
autoria de José Antônio Silva’ é uma proposição verdadeira se e somente se
forem preenchidas as condições x, y, z”.
No entanto, descobriu-se, pouco
a pouco, que havia expressões linguísticas que não possuíam caráter denotativo
nem representativo, e, apesar disto, eram verdadeiras. Descobriu-se também que
havia inúmeras formas de linguagem que não podiam ser reduzidas aos enunciados
lógicos e tipo matemático e físico. Descobriu-se, ainda, que a linguagem usa
certas expressões para as quais não existe denotação. Por exemplo, as
preposições e as conjunções só têm existência na linguagem e não na realidade.
Além disso, descobriu-se que a
redução da linguagem ao cálculo simbólico ou lógico despojava de qualquer
verdade e de qualquer pretensão ao conhecimento a ontologia, a literatura, a
história, bem como várias ciências humanas, isto é, todas as linguagens que são
profundamente conotativas, para as quais a multiplicidade de sentido das
palavras e das coisas é sua própria razão de ser.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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