A psicanálise
Freud era médico psiquiatra. Seguindo os médicos de sua
época, usava a hipnose e a sugestão no tratamento dos doentes mentais, mas
sentia-se insatisfeito com os resultados obtidos.
Certa vez, recebeu uma paciente, Anna O., que apresentava
sintomas de histeria, isto é, apresentava distúrbios físicos (paralisias,
enxaquecas, dores de estômago), sem que houvesse causas físicas para eles, pois
eram manifestações corporais de problemas psíquicos. Em lugar de usar a hipnose
e a sugestão, Freud usou um procedimento novo: fazia com que Anna relaxasse num
divã e falasse. Dizia a ela palavras soltas e pedia-lhe que dissesse a primeira
palavra que lhe viesse à cabeça ao ouvir a que ele dissera (posteriormente,
Freud denominaria esse procedimento de “técnica de associação livre”).
Freud percebeu que, em certos momentos, Anna reagia a
certas palavras e não pronunciava aquela que lhe viera à cabeça, censurando-a
por algum motivo ignorado por ela e por ele. Notou também que, em outras
ocasiões, depois de fazer a associação livre de palavras, Anna ficava muito
agitada e falava muito. Observou que, certas vezes, algumas palavras a faziam
chorar sem motivo aparente e, outras vezes, a faziam lembrar de fatos da
infância, narrar um sonho que tivera na noite anterior.
Pela conversa, pelas reações da paciente, pelos sonhos
narrados e pelas lembranças infantis, Freud descobriu que a vida consciente de
Anna era determinada por uma vida inconsciente, que, tanto ela quanto ele,
desconheciam. Compreendeu também que somente interpretando as palavras, os
sonhos, as lembranças e os gestos de Anna chegaria a essa vida inconsciente.
Freud descobriu, finalmente, que os sintomas histéricos
tinham três finalidades: 1. contar indiretamente aos outros e a si mesma os
sentimentos inconscientes; 2. punir-se por ter tais sentimentos; 3. realizar,
pela doença e pelo sofrimento, um desejo inconsciente intolerável.
Tratando de outros pacientes, Freud descobriu que, embora,
conscientemente, quisessem a cura, algo neles criava uma barreira, uma
resistência inconsciente à cura. Por quê? Porque os pacientes sentiam-se interiormente
ameaçados por alguma coisa dolorosa e temida, algo que haviam penosamente
esquecido e que não suportavam lembrar. Freud descobriu, assim, que o
esquecimento consciente operava simultaneamente de duas maneiras: 1. como
resistência à terapia; 2. sob a forma da doença psíquica, pois o inconsciente
não esquece e obriga o esquecido a reaparecer sob a forma dos sintomas da
neurose e da psicose.
Desenvolvendo com outros pacientes e consigo mesmo esses
procedimentos e novas técnicas de interpretação de sintomas, sonhos,
lembranças, esquecimentos, Freud foi criando o que chamou de análise da vida
psíquica ou psicanálise, cujo objeto central era o estudo do inconsciente e
cuja finalidade era a cura de neuroses e psicoses, tendo como método a
interpretação e como instrumento a linguagem (tanto a linguagem verbal das
palavras quanto a linguagem corporal dos sintomas e dos gestos).
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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