O inconsciente
Freud escreveu que, no transcorrer da modernidade, os
humanos foram feridos três vezes e que as feridas atingiram o nosso narcisismo*,
isto é, a bela imagem que possuíamos de nós mesmos como seres conscientes
racionais e com a qual, durante séculos, estivemos encantados. Que feridas
foram essas?
A primeira foi a que nos infligiu Copérnico, ao provar que
a Terra não estava no centro do Universo e que os homens não eram o centro do
mundo. A segunda foi causada por Darwin, ao provar que os homens descendem de
um primata, que são apenas um elo na evolução das espécies e não seres
especiais, criados por Deus para dominar a Natureza. A terceira foi causada por
Freud com a psicanálise, ao mostrar que a consciência é a menor parte e a mais
fraca de nossa vida psíquica.
Na obra Cinco ensaios sobre a psicanálise, Freud
escreve:
A Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é
senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com
informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no
restante da vida psíquica… A divisão do psíquico num psíquico consciente e num
psíquico inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, sem a
qual ela seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão freqüentes
quanto graves, da vida psíquica e fazê-los entrar no quadro da ciência… A
psicanálise se recusa a considerar a consciência como constituindo a essência
da vida psíquica, mas nela vê apenas uma qualidade desta, podendo coexistir com
outras qualidades e até mesmo faltar.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
* Conta o mito que o jovem Narciso, belíssimo, nunca tinha visto sua própria
imagem. Um dia, passeando por um bosque, viu um lago. Aproximou-se e viu nas
águas um jovem de extraordinária beleza e pelo qual apaixonou-se perdidamente.
Desejava que o outro saísse das águas e viesse ao seu encontro, mas como o
outro parecia recusar-se a sair do lago, Narciso mergulhou nas águas, foi às
profundezas à procura do outro que fugia, morrendo afogado. Narciso morreu de
amor por si mesmo, ou melhor, de amor por sua própria imagem ou pela
auto-imagem. O narcisismo é o encantamento e a paixão que sentimos por nossa
própria imagem ou por nós mesmos porque não conseguimos diferenciar o eu e o
outro.
0 Response to "O inconsciente"
Postar um comentário