Erguendo o véu, tirando a máscara
Diante do poder do inconsciente e da ideologia poderíamos
ser levados a “entregar os pontos”, dizendo: Para que tanto esforço na teoria
do conhecimento, se, afinal, tudo é ilusão, véu e máscara? Para que compreender
a atividade da consciência, se ela é a “pobre coitada”, espremida entre o id e
o superego, esmagada entre a classe dominante e os ideólogos?
Todavia, uma pergunta também é possível: Como, sendo a
consciência tão frágil, o inconsciente e a ideologia tão poderosos, Freud e
Marx chegaram a conhecê-los, explicar seus modos de funcionamento e suas
finalidades?
No caso de Freud, foram a prática médica e a busca de uma
técnica terapêutica para indivíduos que permitiram a descoberta do inconsciente
e o trabalho teórico de onde nasceu a psicanálise. No caso de Marx, foi a
decisão de compreender a realidade a partir da prática política de uma classe
social (os trabalhadores) que permitiu a percepção dos mecanismos de dominação
e exploração sociais, de onde surgiu a formulação teórica da ideologia.
A busca da cura dos sofrimentos psíquicos, em Freud, e a
luta pela emancipação dos explorados, em Marx, criaram condições para uma
tomada de consciência pela qual o sujeito do conhecimento pôde recomeçar a
crítica das ilusões e dos preconceitos que iniciara desde a Grécia, mas, agora,
como crítica de suas próprias ilusões e preconceitos.
Em lugar de invalidar a razão, a reflexão, o pensamento e a
busca da verdade, as descobertas do inconsciente e da ideologia fizeram o
sujeito do conhecimento conhecer as condições – psíquicas, sociais, históricas
– nas quais o conhecimento e o pensamento se realizam.
Como disseram os filósofos existencialistas acerca dessas
descobertas:
Encarnaram o sujeito num corpo vivido real e numa história
coletiva real, situaram o sujeito. Desvendando os obstáculos psíquicos e
histórico-sociais para o conhecimento, puseram em primeiro plano as relações
entre pensar e agir, ou, como se costuma dizer, entre a teoria e a prática.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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