"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Estereótipos e estigmatização; discriminação e preconceito;


“O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal”, os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na maioria das vezes, negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos subjetivos, feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhe o lugar de inferior e de incapaz, no caso dos estereótipos negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”; “serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos de cada região do país.”  

Os estereótipos são também uma maneira de “biologizar” as ca­racterísticas de um grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais.
Uma das justificativas, até o início do século XX, para a não extensão às mulheres do direito de voto, baseava-se na ideia de que elas possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido do que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida como uma espécie de anomalia da natureza, ou seja, uma doença. Nas democracias modernas, desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. No interior de nossa sociedade, encontramos ainda uma série de atitudes etnocêntricas. Muitos acreditaram que havia várias ra­ças e sub-raças, que determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas, hoje sabemos que isso não é verdade.
Em se tratando de Brasil, não podemos deixar de falar nas religiões de matriz africana, como o candomblé e umbanda, resultado do sincretismo religioso. O sacrifício animal em algumas crenças afro-brasi­leiras tem sido considerado sinônimo de barbárie, por praticantes de outros credos. Trata-se, contudo, simplesmente de uma forma específica para que homens/mulhe­res entrem em contato com o divino, com os deuses, nesses casos, os orixás, cada qual com sua preferência, no que diz respeito ao ritual de oferenda. Outras religiões pregam formas diversificadas de contato com o divino, classificando e condenando as práticas do candomblé, como “erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”.
“O preconceito de alguns segmentos religiosos tem levado seus seguidores a atacar e desrespeitar os chamados “terreiros”. O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais distintas partes do Brasil, foi durante muito tempo perseguido por aqueles que, ado­tando um ponto de vista católico ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães.  Se boa parte dos/as brasileiros/as se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado por múltiplas crenças, havendo divergências até mesmo no interior do próprio catolicismo: somos um país plural. A Constituição Brasileira garante a liberdade religiosa e de crença, e as instituições devem promover o respeito entre os/as praticantes de diferentes religiões, além de preservar o direito daqueles/as que não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem, com orgulho, para seus/suas educadores/as, os símbolos de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são pejorativamente[1] chamadas de “macumbeiras”, sendo discrimina­das por suas identidades religiosas.”
O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente ar­raigado[2] na sociedade brasileira, por essas práticas estarem associadas a negros e ne­gras, grupo historicamente estigmatizado e excluído, e cujos cultos seriam contrários ao cristianismo europeu. Vale lembrar que expressões culturais de matriz afro-bra­sileira como o samba, a capoeira e o candomblé foram, durante décadas, proibidos e perseguidos pela polícia. Isso mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de processos extremamente complexos. O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros/as” passou a ser caracteri­zado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda enfren­tam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há quem considere o candomblé como “dança folclórica”, negando seu conteúdo religioso; há também quem o caracterize como “prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter de religiosidade é negado e não tomado no mesmo padrão de igualdade de outras práticas e crenças.
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua combinação di­recionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar opor­tunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também se constituem em discri­minação.

Fonte: Texto “Sociologia – 2º Ano do Ensino Médio” da Profª Bianca Wild




[1] Diz-se de vocábulo de sentido torpe, obsceno ou desagradável – dicionário Aurélio.
[2] Enraizado.

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