O Romantismo (Parte 01/06)
Beethoven
(…)
Também desta vez Alberto Knox estava sentado à soleira da
porta quando Sofia chegou.
— Sente-se aqui — disse ele, e foi logo entrando no
assunto. — Até agora falamos do Renascimento, do Barroco e do Iluminismo. Hoje
vamos conversar sobre o Romantismo, que podemos chamar de a última grande época
cultural da Europa. Estamos chegando ao fim de uma longa história, Sofia.
— O Romantismo durou tanto tempo assim?
— Ele começou em fins do século XVIII e durou até meados
do século passado [XIX]. Depois de 1850, não faz muito sentido falarmos de
épocas inteiras que compreendam igualmente a poesia, a filosofia, a arte, a
ciência e a música.
— O Romantismo foi uma dessas épocas?
— Sim, e, como dissemos, a última na Europa. Ele começou
na Alemanha como reação à parcialidade do culto à razão apregoado pelo
Iluminismo. Depois de Kant e de sua fria filosofia da razão, os jovens alemães
finalmente podiam respirar aliviados.
— E o que eles colocaram no lugar da razão?
— As novas palavras de ordem eram “sentimento”,
“imaginação”, “experiência” e “anseio”. Alguns pensadores do Iluminismo também
tinham alertado para a importância dos sentimentos, como Rousseau, por exemplo,
e criticado o fato de os iluministas enfatizarem apenas a razão. Agora, no
Romantismo, esta corrente secundária se transformou no veio principal da vida
cultural alemã.
— Quer dizer que a popularidade de Kant não durou muito
tempo?
— Sim e não. Muitos românticos chegaram a se considerar
sucessores de Kant, pois Kant havia dito que há limites para o que podemos
saber. Além disso, ele também havia mostrado o quanto é importante a
contribuição do nosso eu para o processo de aquisição de conhecimento. E agora,
no Romantismo, o indivíduo encontrava o caminho livre, por assim dizer, para
fazer a sua interpretação pessoal da
vida. Os românticos professavam uma glorificação quase irrestrita do eu. A
essência da personalidade romântica é, por isso mesmo, o gênio do artista.
— E houve muitos gênios durante esta época?
— Alguns. Beethoven, por exemplo. Sua música nos mostra
uma pessoa que consegue exprimir seus próprios sentimentos e anseios. Nesse
sentido, Beethoven foi um artista “livre”, ao contrário de mestres do Barroco
como Bach e Handel, que compunham suas obras em louvor a Deus e freqüentemente
segundo rígidas normas de composição.
— De Beethoven eu só conheço a Sonata ao luar e a Quinta
sinfonia.
— Ouvindo essas peças dá para perceber como Beethoven
conseguiu dar vazão a todo o seu romantismo na Sonata ao luar e a toda a sua dramaticidade na Quinta sinfonia.
— Em algum momento você disse que os humanistas do
Renascimento também eram individualistas.
— Sim. Há muitos paralelos entre o Renascimento e o
Romantismo. Um deles é a importância que se dá ao papel da arte no processo de
conhecimento humano. Nesse ponto, a contribuição de Kant foi muito importante.
Em sua estética, Kant investigou o que acontece quando somos arrebatados por
algo de belo. Uma obra de arte, por exemplo. Quando nos voltamos para uma obra
de arte sem qualquer outro interesse senão o de “vivenciá-la” o mais
intensamente possível, nós ultrapassamos as fronteiras do que podemos “saber”.
Ultrapassamos, portanto, as fronteiras de nossa razão.
Extratos da obra de
GAARDER, Jostein.
O Mundo de Sofia. Romance da
História da Filosofia.
São Paulo: Cia das
Letras, 1996.
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