Os filósofos da renascença
Os
filósofos da Renascença poderiam ser dispostos em três grupos mais ou menos
separados. Um primeiro grupo, que se voltou para o pensamento platônico,
formou-se com a descoberta de algumas obras que até então não haviam se
revelado. Estas obras tratavam das linhas gerais do panteísmo, isto é, da ideia
de que o homem não poderia ter sido gerado senão da própria Natureza e que
somente a ela deveria prestar culto, oferecendo seus serviços por meio de
rituais, cultos e sacrifícios. Destes rituais e cultos adveio o ressurgimento
da magia num sentido amplo, como a astrologia, a bruxaria e a alquimia.
Este
pensamento era próprio dos gregos antes do surgimento da era cristã no século
I. O que houve foi uma transposição destas formas de cultuar a natureza para
uma época e um mundo já completamente transformados pela ideologia cristã, de
um único Deus antropomórfico e que exigia total reverência. Por certo todas
estas manifestações do desejo humano de controlar a natureza por vias não
cristãs foram imediatamente associadas ao trabalho do demônio. Imediatamente, a
Igreja respondeu com os Tribunais e as fogueiras: caso Giordano Bruno, Galileu,
entre milhares de outros.
Um
segundo grupo, também baseando-se em antigos ideais gregos, tentou revitalizar
o regime político republicano. Eles lutavam contra o poder centralizador dos
Papas e dos Imperadores, que não permitiam discussões públicas de suas decisões
e que, por este motivo, frequentemente cometiam excessos políticos. Certamente
houve, em algumas regiões, como em certas províncias italianas, uma abertura
política que dava liberdades de expressão artística e intelectual. Estas
províncias se tornaram ilhas de desenvolvimento cultural, onde se aglomeravam
pintores, escultores, astrônomos, poetas, filósofos, numa efervescência
intelectual que só poderia ser comparada com a antiga cidade de Atenas na
Grécia antiga.
No
entanto, por esta mesma época, as grandes navegações tiveram início e, com
elas, a economia mercantilista e a descoberta do novo Mundo. Estes fatos
econômicos e geopolíticos forçaram as nações europeias a um recrudescimento da
autoridade dos Reis e do ideal imperialista. O regime republicano proposto
pelos renascentistas naufragou uma segunda vez e só seria resgatado novamente
no período posterior, com o Iluminismo.
O
terceiro grupo tenta conciliar os pensamentos dos dois grupos anteriores.
Resumindo, o importante é que o homem deve ser dono de seu próprio destino, não
importa se isto se dê no âmbito da natureza, no âmbito religioso ou no âmbito
político. É ele próprio, e não uma autoridade estabelecida, que deve decidir
como viver a sua vida, quais crenças possuir, de que maneiras pensar. Assim,
ele luta contra três frentes: contra um Deus opressor, cuja dimensão ele não
consegue compreender; contra um governo tirânico, cujos interesses pessoais se
colocam sempre à frente dos seus; e contra uma natureza cuja limitação física,
espaço e tempo ele quer superar a todo custo.
No
Renascimento, o humano ganha dimensões divinas ou traz o divino para as
dimensões humanas. Símbolo disto é a imensa obra de Michelangelo “A criação de
Adão”, no teto da capela Sistina, na igreja de São Pedro, em Roma. Nesta
fantástica amostra da pintura renascentista, Deus e Adão possuem as mesmas
dimensões físicas, a mesma compleição muscular, a única diferença parece estar
na idade, sendo Deus fisionomicamente mais velho que Adão. Deus está num plano
um pouco superior e sendo carregado por um grupo de anjos. Esticando o braço,
Ele quase toca Adão. Este, por sua vez, estica seu braço para que Deus o toque.
No entanto, há uma incrível sensação ambivalente de que é Adão que está
pintando Deus com o seu dedo, conferindo-lhe vida por meio da sua arte.
Como
num espelho, Adão se reflete em Deus e vice-versa, numa estupenda
bicondicionalidade e alternância de valores entre o divino e o humano. O
pequeno espaço entre o dedo indicador de Adão e o de Deus parece infinitamente
grande na imobilidade natural da pintura, é tentador supor nisto uma sutil
referência à eterna posição superior de Deus que, ainda que drasticamente
próximo ao Homem, jamais o toca, dando a impressão de planos estanques, de uma
barreira intransponível entre o eterno e o temporal, entre o infinito e o
finito, entre a perfeição e o erro, entre o êxtase e o desejo.
Fonte: Palavra em Ação.
CD-ROM, Claranto Editora.
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