A luta pela redemocratização
“Apesar de você, amanhã há de
ser outro dia.”
CHICO BUARQUE DE
HOLANDA
No final da década de 70, na passagem do governo Geisel para o de
Figueiredo, estava ficando claro que a ditadura estava acabando. A palavra da
moda era abertura, especialmente abertura política. Vimos que os generais
castelistas, como Geisel e Figueiredo, eram favoráveis à abertura política. Mas seria um grave erro atribuir o fim do regime
à boa vontade democrática dos militares.
Na verdade, a ditadura estava afundando. Para começar, a crise
econômica: inflação, diminuição do crescimento econômico, aumento da pobreza.
Foi só Geisel abrandar a censura para que os escândalos de corrupção no governo
começassem a pipocar. Tudo isso tirava a confiança da população no governo.
Bastava ter eleição e pimba, o MDB ganhava mais votos do que a Arena. No começo
do regime, castrado pelas cassações, o MDB era uma presença tímida.
Praticamente só havia Arena no Brasil, Aos poucos, entretanto, o MDB foi
ampliando sua capacidade de fustigar a ditadura, Nele havia desde liberais até
comunistas, todos unidos com um propósito básico: acabar com o regime militar,
restaurar a democracia no Brasil.
Portanto, ao contrário do que disse a propaganda oficial, a tal abertura
política não foi resultado simplesmente da boa vontade do governo. Foi o recuo
de um regime acossado pela crise e atacado por um povo que se organizava.
Em nenhum momento do regime a oposição democrática se calou. Todavia, a
partir de 1975, essa oposição atuava de outro jeito. Não eram mais estudantes
jogando pedras para enfrentar a polícia, como nas memoráveis passeatas de 1968,
nem eram meia dúzia de guerrilheiros cutucando a onça blindada com vara curta.
Agora, a luta contra o regime ainda tinha o mesmo ardor, o mesmo idealismo, só
que com maturidade, com substância. O segredo era a mobilização da sociedade civil.
Sociedade civil não é o contrário de sociedade militar. A
sociedade civil se opõe ao Estado. Quem faz parte do Estado? Os políticos, os
juízes e tribunais, a administração pública, a polícia, o Exército etc. As
instituições da sociedade civil são organizações como sindicatos, associações
de moradores, grupos feministas, igrejas, comitês de defesa de direitos
humanos, sociedades ecológicas e culturais etc.
Para começar, a Igreja Católica
passava por um processo de grandes mudanças. Em 1964, ela jogou água benta nos
tanques. Agora, crescia a consciência de que ser cristão era ser também contra
o pecado da opressão social, contra o pecado de nada fazer diante da injustiça
social; ser solidário com os pobres; lutar por um mundo mais justo. Não tinha
mais essa de que “Deus quis que os pobres fossem submissos”. Era a Teologia da Libertação. A visita do
papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, foi interpretada como uma força para
esse tipo de atitude de engajamento social dos católicos. Enquanto apoiou o
regime, a Igreja foi elogiada. Bastou que uma parte dela (o chamado clero
progressista) se voltasse contra as barbaridades do nosso capitalismo selvagem,
para que logo a acusassem de “fazer politicagem”. Grandes figuras, como D.
Hélder Câmara, D. Evaristo Arns e D. Pedro Casaldáliga, frei Betto e frei
Leonardo Boff, defenderam os direitos humanos, denunciaram as injustiças
sociais, exigiram que o governo mudasse suas atitudes. Organizada nas
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a população católica ia se
conscientizando. Descobria-se que o Evangelho não era uma mensagem para manter
escravos, mas justamente o contrário, uma boa-nova de libertação, de libertação
de toda a opressão, incluindo a opressão social. O homem deve ganhar o pão com o
suor do seu rosto e, portanto, para que todos os que produzem o pão possam ter
um pedaço justo desse pão, é preciso suar o rosto para transformar a sociedade
no sentido da justiça cristã. E a justiça cristã não é apenas a da caridade,
mas a do respeito aos direitos de todos. Não estamos fazendo propaganda da
Teologia da Libertação, mas exprimindo algumas de suas idéias. Essa novidade
seria importantíssima para compreender o Brasil contemporâneo: nos anos 80,
diversos movimentos de operários e camponeses ergueram sua voz para exigir
direitos. Um estudo de suas origens revelará que muitos deles nasceram das CPT
(Comissões Pastorais da Terra) e das CEBs católicas.
O próprio movimento estudantil
universitário renascia. Nas principais universidades do Brasil, o pessoal
reorganizava as entidades representativas (Centros Acadêmicos, Diretórios
Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes). Esta geração do final dos anos
70 e começo dos 80 mostraria que a política ainda corria no sangue dos
estudantes. Mas as coisas não eram fáceis. As faculdades ainda estavam cheias
de agentes secretos do SNI infiltrados. E a tentativa de refazer a UNE, através
de um encontro de estudantes na PUC-SP em 1977, foi desfeita com brutalidade
pela polícia, que bateu tanto que uma menina ficou cega. Mesmo assim, em 1979,
num Congresso emocionante na bela Salvador, a UNE estava recriada.
Entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - esta sob a liderança do dr.
Raymundo Faoro - e intelectuais de prestígio se manifestavam contra o regime. A
imprensa alternativa, representada pelos jornais O Pasquim, Movimento e Opinião, não descansava. A censura tinha
sido abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já havia um espaço para
falar de coisas novas na política. Cada número novo de um desses jornais era
lido com voracidade.
Em 1975, foi criado o MFA (Movimento Feminino pela Anistia), para que os
presos políticos fossem soltos, os exilados pudessem voltar à pátria e os
cassados recebessem justiça. Em 1978, foi criado o CBA (Comitê Brasileiro pela
Anistia). O Brasil inteiro repudiava a tortura e a arbitrariedade. A saudosa
Elis Regina emocionaria o país cantando o hino da anistia; O Bêbado e o Equilibrista. Outros cantores populares, como Chico
Buarque e Milton Nascimento, compunham músicas com críticas sutis ao regime
militar.
Como você vê, a oposição estava articulada: jornalistas, MDB,
estudantes, Igreja Católica, intelectuais, movimento pela anistia. Mas as
coisas não seriam tão fáceis assim.
A extrema direita respondeu com fogo. D. Adriano Hipólito, bispo de Nova
Iguaçu (Rio de Janeiro), foi sequestrado e espancado. Bombas explodiram na ABI
(Associação Brasileira de Imprensa), e na Editora Civilização Brasileira. No
mesmo ano (1976), o DOI-CODI invadiu a tal casa na Lapa e massacrou os
ocupantes, todos da direção do PC do B, como já foi dito. Assim, as forças
retrógradas deixavam claro que não aceitariam qualquer avanço democrático.
A situação ficou tensa. As forças democráticas avançavam, mas a direita
replicava: O governo, irritado, se confundia, reprimia, vacilava. Era o
impasse. Para onde iria o Brasil? A extrema direita teria mesmo o poder de
barrar o povo? Quem decidiria o nosso futuro?
Os dias de medo pareciam eternos. Apesar de toda a articulação da
sociedade, o regime autoritário dava a impressão de ser capaz de resistir por
muito tempo. Seria uma muralha indestrutível? A violência talvez não terminasse
nunca. Quem teria a capacidade de mudar a correlação de forças? Quem seria
capaz de abalar decisivamente o regime? Haveria algum movimento social capaz de
provocar a virada decisiva? As pessoas se entreolhavam angustiadas; e agora?
Fontes
bibliográficas:
História do Brasil – Luiz Koshiba –
Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário
Schmidt – Ed. Novos Tempos
História do Brasil – Boris Fausto –
Ed. Difel
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