As concepções da verdade
Grego, latim e hebraico
Nossa ideia da verdade foi construída ao longo dos séculos,
a partir de três concepções diferentes, vindas da língua grega, da latina e da
hebraica.
Em grego, verdade se diz aletheia, significando:
não-oculto, não-escondido, não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta
aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou
existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o
encoberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O
verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão.
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas e o
verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade que está
na própria realidade e, portanto, a verdade depende de que a realidade se
manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule
em aparências.
Em latim, verdade se diz veritas e se refere à
precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes,
pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à
linguagem enquanto narrativa de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que
dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou
dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais.
A verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória e
da acuidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado corresponda aos
fatos acontecidos. A verdade não se refere às próprias coisas e aos próprios
fatos (como acontece com a aletheia), mas ao relato e ao enunciado, à
linguagem. Seu oposto, portanto, é a mentira ou a falsificação. As coisas e os
fatos não são reais ou imaginários; os relatos e enunciados sobre eles é que
são verdadeiros ou falsos.
Em hebraico verdade se diz emunah e significa
confiança. Agora são as pessoas e é Deus quem são verdadeiros. Um Deus
verdadeiro ou um amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são
fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a confiança.
A verdade se relaciona com a presença, com a espera de que
aquilo que foi prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer. Emunah
é uma palavra de mesma origem que amém, que significa: assim seja. A verdade é
uma crença fundada na esperança e na confiança, referidas ao futuro, ao que
será ou virá. Sua forma mais elevada é a revelação divina e sua expressão mais
perfeita é a profecia.
Aletheia se refere ao que as coisas são; veritas
se refere aos fatos que foram; emunah se refere às ações e as
coisas que serão. A nossa concepção da verdade é uma síntese dessas três
fontes e por isso se refere às coisas presentes (como na aletheia), aos
fatos passados (como na veritas) e às coisas futuras (como na emunah).
Também se refere à própria realidade (como na aletheia), à linguagem
(como na veritas) e à confiança-esperança (como na emunah).
Palavras como “averiguar” e “verificar” indicam buscar a
verdade; “veredicto” é pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo
veraz; “verossímil” e “verossimilhante” significam: ser parecido com a verdade,
ter traços semelhantes aos de algo verdadeiro.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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