"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

José Ribamar Sarney (1985 – 1990)


Da UDN para a Arena e depois para o PDS para, finalmente, virar (ó ironia da história!) o presidente da Nova República. Sarney rabisca uns livros nas horas de folga, o suficiente para que os puxa-sacos o fizessem imortal da Academia Brasileira de Letras. O imortal que substituiu o morto Tancredo. Nosso país, às vezes, é muito engraçado, não? Último presidente da ditadura militar, já do período da “abertura”, acabou eleito por uma tragédia (ou por uma farsa, ou por um “crime”, como querem alguns): os micróbios do Hospital de Base de Brasília, que tiveram mais poder sobre os brasileiros que o voto popular, levaram a vida do político conservador e confiável à ditadura “Tancredo Neves” conduzindo à presidência da República ninguém menos que um herdeiro do que o coronelismo nordestino mais tem de conservador, corrupto, fraco, politicamente incompetente e, o que é pior, “continuísta”... Talvez este tenha sido o principal motivo de ter feito um governo absolutamente desastroso!  

O homem entrou na presidência “pela porta dos fundos”: era o vice de Tancredo. Líder do PDS até a última hora, quando pulou para o PMDB, queria mostrar para o Brasil que tinha se convertido à democracia. O problema é que seu governo era apoiado pelo PMDB em aliança com um PFL cheio de gente que foi do PDS. Cada um deles exigindo cargos. E Sarney usaria seu coração e o bolso do contribuinte para nomear todo mundo.
Com ele, tudo foi grande. Principalmente a incompetência administrativa. Foi enorme também a inflação (que chegou perto dos 2000% ao ano!), a dívida externa subiu a mais de US$ 100 bilhões, os escândalos financeiros e as denúncias de corrupção completam o quadro de suas realizações grandiosas, que acabaram granjeando-lhe uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
No começo do governo, o imortal Sarney manteve a equipe do falecido Tancredo. O ministro Francisco Dornelles (PFL) não fez muita coisa contra a inflação. Foi substituído pelo político (PMDB) e empresário paulista Dílson Funaro. Estava criado o famoso Plano Cruzado. Naquele fevereiro de 1986, o país foi assombrado com o cancelamento geral. Nada podia aumentar, nem preços nem salários. Uma nova moeda, o cruzado, substituía o desgastado cruzeiro. Pareciam ter descoberto a pólvora. No Brasil inteiro, uma onda de histeria coletiva mobilizava donas de casa: com rolinhos na cabeça e listas de preços na mão, elas eram as fiscais do Sarney. Um preço aumentado era suficiente para juntar uma multidão na porta da loja até a chegada de policiais que levariam o vendedor sob a mira de uma carabina 22.
A inflação, de repente, parecia não existir mais. Em todo o país, os cânticos de louvor ao Plano Cruzado foram acompanhados de um dilúvio universal de votos a favor do partido do casal Sarney-Funaro, o PMDB. Com exceção de Sergipe, todos os outros 21 estados elegeram governadores peemedebistas! Também nas eleições para o Senado, das 49 cadeiras disputadas o PMDB conseguiu eleger 38, ou seja, perto de 78%. Entre os senadores eleitos, Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas. Graças ao Plano Cruzado, vitória eleitoral do PMDB. E sabe o que Sarney fez logo após as eleições? Anunciou o Cruzado II, que descongelava os preços...
A população ficou boquiaberta. Boca aberta que não entrava comida, já que os preços dispararam. Na verdade, o plano estava afundando havia algum tempo. Tinham-no sustentado por causa das eleições. O governo não diminuíra os gastos públicos e portanto precisava emitir para pagar as contas. Além disso, as grandes empresas de comércio escondiam os produtos das prateleiras. Começou a faltar tudo. Bem, não era exatamente uma falta. Bastava pagar o ágio (uma grana por fora, além do preço tabelado) que a mercadoria aparecia atrás do balcão.
O resto você já sabe: liberando os preços, abriu a torneira, despejando uma caudalosa inflação. Funaro pediu demissão. O novo ministro, Bresser Pereira, lançou o Plano Bresser (abril de 87), que incluía um minicongelamento por três meses e cancelamento de grandes obras públicas como a ferrovia Norte-Sul. Também manteve a moratória da dívida externa, já anunciada por Funaro, isto é, o Brasil avisava aos credores que só pagaria aos banqueiros quando pudesse. Mas esse negócio de congelamento só botava a economia numa fria. As medidas tiveram pouco efeito: a inflação anual atingiu os 366%. Saiu Bresser, assumiu um novo ministro, Maílson da Nóbrega. O Plano Verão (1989) propunha cortar os gastos públicos e segurar o consumo, para a inflação ficar menor do que um biquíni. Mas o governo continuou gastando muito e emitindo papel-moeda, ao mesmo tempo em que a queda de consumo provocava uma recessão violenta. O país mergulhava numa crise horrorosa, chegando a quase 1800% ao ano! Era um quadro de hiperinflação. Sempre minimizado pela propaganda governamental, mas hiperinflação de fato.
Durante o governo Sarney, parecia que os tempos autoritários estavam sendo deixados para trás. Os partidos comunistas (PCB e PC do B), por exemplo, foram legalizados e elegeram alguns poucos deputados. Só uma minoria de ultradireitistas é que teimou em protestar contra “o perigo vermelho”. Para os brasileiros, um direito eleitoral justo e pronto. Na verdade, os votos de esquerda cada vez mais se dirigiam ao PT.
Eleições, imprensa gozando de razoável liberdade e uma Assembléia Constituinte, reunida em 1987, nos faziam respirar o ar renovador da democracia. Mas nem sempre as coisas foram tão certinhas.
A crise econômica levou a protestos de trabalhadores. Diante deles, Sarney mostrou sua face de ex-UDN-Arena-PDS. Na greve de funcionários da hidrelétrica de Itaipu (1987), o presidente mandou o Exército para reprimir. Alguns operários saíram feridos, embora o governo alegasse que eles “agrediram os militares”. É, podia ser. Teve peão em Itaipu com o pulmão perfurado com baioneta (aquele sabre do lado da boca do fuzil). Talvez eles tivessem atacado os soldados dando golpes de pulmão nas baionetas.
O povo resistia. Estouravam greves e mais greves. Contra os aumentos de passagens, vários ônibus foram incendiados nas ruas do Rio de Janeiro (1987). As centrais sindicais, CUT e CGT convocaram uma greve geral que paralisou importantes pontos do país, em 1987. Sarney respondeu com brutalidade. Metalúrgicos em Volta Redonda (RJ), um dos maiores centros industriais do país, foram assassinados pelo Exército, que recebeu ordens para invadir a usina siderúrgica (na época, era estatal), numa autêntica operação de guerra, com direito a cara pintada de preto, granadas e blindados (1988).
No campo, a reforma agrária continuava um sonho. A vida real era um pesadelo. No Brasil, quem é dirigente de sindicato de trabalhadores rurais pode ir encomendando o caixão. Mais cedo ou mais tarde um bandido contratado por latifundiário vai fazer o serviço. Uma vergonha. Assim, o governo Sarney ganhou as manchetes de jornal do mundo inteiro quando Chico Mendes foi assassinado (1988). Chico era conhecido defensor do meio ambiente na Amazônia e, por causa disso, ganhou um prêmio especial da ONU em 1987. Mas ele não morreu porque protegia as plantas e os bichos. Mataram Chico Mendes porque defendia os homens, os seringueiros, os camponeses. Fundador do PT do Acre e dirigente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri, ele atraiu o ódio dos fazendeiros da região. Depois de muitas ameaças, foi metralhado no quintal de casa. Os matadores chegaram a ser detidos. Mas fugiram da cela durante um jogo do Brasil na televisão...
O governo Sarney também foi bombardeado por acusações de corrupção. Por exemplo, em 1988, o senador Carlos Chiarelli (PFL-RS) fez um relatório denunciando Sarney e vários ministros de usarem verbas (dinheiro público) para favorecer alguns empresários. Em resposta, o ministro das comunicações, Antônio Carlos Magalhães, chefe político da Bahia, dizia que Chiarelli também tinha usado dinheiro público para favorecer parentes. Acusações verdadeiras ou calúnia política? Difícil dizer. O fato é que os dois lados pareciam se conhecer muito bem.
Apesar de toda essa confusão, não é verdade que os tempos da ditadura militar fossem melhores. Afinal, Sarney não era culpado sozinho. Ele pegou um país que já estava com a situação econômica catastrófica. Situação causada pela ditadura. Não devemos nos esquecer que em 1964, quando começou o regime autoritário, a inflação era de 90% e a dívida externa de US$ 2,5 bilhões e que, em 1985, quando terminou a ditadura, a inflação já ultrapassava a casa dos 200% ao ano e a dívida externa era apenas 40 vezes maior. Imagine um sujeito que come feito um desesperado e depois, passando mal, diz que bom era no tempo da comilança - como se a comilança não fosse a causa da indigestão! É bom lembrarmos também que Sarney foi um homem do regime militar, político da antiga Arena e do PDS que só passou para o PMDB para ser vice de Tancredo. A vantagem do país é que agora as pessoas tinham o direito de criticar e de apresentar propostas novas.
Na verdade, a burguesia conseguiu fazer uma transição controlada do regime autoritário para o regime liberal-democrático. A nova situação política foi realizada de cima para baixo, ou seja, sob a hegemonia (liderança, supremacia) da classe dominante. Marca da política brasileira; como o jeitinho, o favor, o “quebra-galho”, o compadrio, enfim, as transições sempre ocorreram no Brasil, historicamente “de cima para baixo”.
Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte e a eleição de José Ribamar Sarney a Ditadura Militar vivia seus últimos momentos. Durou 25 anos no Brasil.

Fontes bibliográficas:

História do Brasil – Luiz Koshiba – Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário Schmidt – Ed. Novos Tempos

História do Brasil – Boris Fausto – Ed. Difel

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