Ética e violência
Quando acompanhamos a história
das ideias éticas, desde a Antiguidade clássica (greco-romana) até nossos dias,
podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos
meios para evitá-la, diminuí-la, controlá-la. Diferentes formações sociais e
culturais instituíram conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de
relações intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que
pudessem garantir a integridade física e psíquica de seus membros e a
conservação do grupo social.
Evidentemente, as várias
culturas e sociedades não definiram e nem definem a violência da mesma maneira,
mas, ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundo os tempos e os lugares.
No entanto, malgrado as diferenças, certos aspectos da violência são percebidos
da mesma maneira, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum
contra o qual os valores éticos são erguidos. Fundamentalmente, a violência é
percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar
alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e
desejos, contrária ao seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos
profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a
agressão aos outros.
Quando uma cultura e uma
sociedade definem o que entendem por mal, crime e vício, circunscrevem aquilo
que julgam violência contra um indivíduo ou contra o grupo. Simultaneamente,
erguem os valores positivos – o bem e a virtude – como barreiras éticas contra
a violência.
Em nossa cultura, a violência é
entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar
alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é a
violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém. Eis
por que o assassinato, a tortura, a injustiça, a mentira, o estupro, a calúnia,
a má-fé, o roubo são considerados violência, imoralidade e crime.
Considerando que a humanidade
dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de vontade livre, de
capacidade para a comunicação e para a vida em sociedade, de capacidade para
interagir com a Natureza e com o tempo, nossa cultura e sociedade nos definem
como sujeitos do conhecimento e da
ação, localizando a violência em tudo aquilo que reduz um sujeito à condição de
objeto. Do ponto de vista ético, somos pessoas
e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se oferecem,
portanto, como expressão e garantia de nossa condição de sujeitos, proibindo
moralmente o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros.
A ética é normativa exatamente
por isso, suas normas visando impor limites e controles ao risco permanente da
violência.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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