O pensamento mítico
Quando pensamos em mitos, hoje, imediatamente lembramos de
alguns mitos gregos, como o de Pandora, que abriu a caixa proibida soltando
todos os males, restando somente a esperança, ou ainda do saci-pererê, de Tupã
e outras lendas que povoaram a nossa infância e que têm origem nas culturas
indígena ou africana.
Para nós, portanto, os mitos primitivos não passam de
histórias fantasiosas que são contadas ao lado das histórias da Branca de Neve
ou da Bela Adormecida.
O mito, porém, não é isso. Quando vira uma história, uma
lenda, ele perde a sua força de mito.
O que é o mito
O mito, entre os povos
primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar o seu
lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso,
anterior a toda reflexão e não-crítico de estabelecer algumas verdades que
não só explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural,
mas que dão, também, as formas da ação humana. Devemos salientar, entretanto,
que, não sendo teórica, a verdade do mito não obedece a lógica nem da verdade
empírica, nem da verdade científica. É verdade intuída, que não necessita de
provas para ser aceita.
O mito nasce do desejo
de dominação do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O homem, à mercê
das forças naturais, que são assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades
emocionais. As coisas não são mais matéria morta, nem são independentes do
sujeito que as percebe. Ao contrário, estão sempre impregnadas de qualidades e
são boas ou más, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e
atraentes ou ameaçadoras e repelentes. Assim, o homem se move dentro de um
mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça abundante,
para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja protegido, para
que as crianças nasçam e os mortos possam ir em paz.
O pensamento mítico
está, então, muito ligado à magia, ao desejo, ao querer que as coisas aconteçam
de um determinado modo. É a partir disso que se desenvolvem os rituais como
meios de propiciar os acontecimentos desejados. O ritual é o mito tomado ação.
Os exemplos são
inúmeros: já nas cavernas de Lascaux e Altamira, o homem do Paleolítico
(10000 a 5000 a.C.) desenhava os animais, dentro de um estilo muito realista, e
depois "atacava-os" com flechas, para garantir o êxito da caçada. Os
ritos de nascimento e de morte é que vão dar ao recém-nascido um reconhecimento
como ser vivo, pertencente a uma determinada sociedade; ou, ao defunto, a
mudança de seu estatuto ontológico (de ser vivo a ser morto) e a aceitação pela
comunidade dos mortos. Outro exemplo é o da expulsão de uma comunidade: uma
vez realizados os ritos, a pessoa expulsa não precisa sair da comunidade, pois
todos os outros integrantes passarão a não vê-la, não ouvi-la, enfim, a agir
como se não existisse ou não estivesse presente. Para a comunidade, terminado
o ritual, a pessoa expulsa desapareceu simbolicamente, mesmo que continue de
corpo presente. E essa exclusão social acaba, em geral, levando à morte.
Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas
de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).
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