"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O pensamento mítico




Quando pensamos em mitos, hoje, ime­diatamente lembramos de alguns mitos gre­gos, como o de Pandora, que abriu a caixa proibida soltando todos os males, restando somente a esperança, ou ainda do saci-pererê, de Tupã e outras lendas que povoa­ram a nossa infância e que têm origem nas culturas indígena ou africana.
Para nós, portanto, os mitos primitivos não passam de histórias fantasiosas que são contadas ao lado das histórias da Branca de Neve ou da Bela Adormecida.
O mito, porém, não é isso. Quando vira uma história, uma lenda, ele perde a sua for­ça de mito. 


O que é o mito

O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, is­to é, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda re­flexão e não-crítico de estabelecer algu­mas verdades que não só explicam par­te dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana. Devemos salientar, entretanto, que, não sendo teórica, a verdade do mito não obedece a lógica nem da verdade empírica, nem da verdade científica. É verdade intuída, que não necessita de provas para ser aceita.
O mito nasce do desejo de domina­ção do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O homem, à mercê das forças naturais, que são assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades emo­cionais. As coisas não são mais matéria morta, nem são independentes do sujeito que as percebe. Ao contrário, es­tão sempre impregnadas de qualidades e são boas ou más, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaçadoras e repelen­tes. Assim, o homem se move dentro de um mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça abundante, para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja protegi­do, para que as crianças nasçam e os mortos possam ir em paz.
O pensamento mítico está, então, muito ligado à magia, ao desejo, ao querer que as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desenvolvem os rituais como meios de propiciar os acontecimentos deseja­dos. O ritual é o mito tomado ação.
Os exemplos são inúmeros: já nas ca­vernas de Lascaux e Altamira, o ho­mem do Paleolítico (10000 a 5000 a.C.) desenhava os animais, dentro de um estilo muito realista, e depois "atacava-os" com flechas, para garantir o êxito da caçada. Os ritos de nascimento e de morte é que vão dar ao recém-nascido um reconhecimento como ser vivo, per­tencente a uma determinada socieda­de; ou, ao defunto, a mudança de seu estatuto ontológico (de ser vivo a ser morto) e a aceitação pela comunidade dos mortos. Outro exemplo é o da ex­pulsão de uma comunidade: uma vez realizados os ritos, a pessoa expulsa não precisa sair da comunidade, pois todos os outros integrantes passarão a não vê-la, não ouvi-la, enfim, a agir como se não existisse ou não estivesse presen­te. Para a comunidade, terminado o ri­tual, a pessoa expulsa desapareceu simbolicamente, mesmo que continue de corpo presente. E essa exclusão social acaba, em geral, levando à morte.

Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).


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