Filosofia: ouvindo a voz dos poetas
Escutemos, por um instante, a voz dos poetas, porque ela
costuma exprimir o que chamamos de “sentimento do mundo”, o sentimento da
velhice e da juventude perene do mundo, da grandeza e da pequeneza dos humanos
ou dos mortais.
Assim, o poeta grego Arquíloco escreveu:
E não te esqueças, meu coração,
que as coisas humanas apenas
mudanças incertas são.
Outro poeta grego, Teógnis, cantando sobre a brevidade da
vida, dizia:
Choremos a juventude e a velhice também,
pois a primeira foge e a segunda sempre vem.
Também o poeta grego Píndaro falava do sentimento das
coisas humanas como passageiras:
A glória dos mortais num só dia cresce,
Mas basta um só dia, contrário e funesto,
para que o destino, impiedoso, num gesto
a lance por terra e ela, súbito, fenece.
Mas não só a vida e os feitos dos humanos são breves e
frágeis. Os poetas também exprimem o sentimento de que o mundo é tecido por
mudanças e repetições intermináveis. A esse respeito, a poetisa brasileira
Orides Fontela escreveu:
O vento, a chuva, o sol, o frio
Tudo vai e vem, tudo vem e vai.
E o poeta brasileiro, Carlos Drummond, por sua vez,
lamentou:
Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nuda.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
...
Como a vida é senha
de outra vida nova
...
Como a vida é vida
ainda quando morte
...
Como a vida é forte
em suas algemas.
...
Como a vida é bela
...
Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida.
O sentimento de renovação e beleza do mundo, da vida, dos
seres humanos é o que transparece nos versos do poeta brasileiro Mário
Quintana, nos seguintes versos:
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova...
E, por isso, em outros versos seus, lemos:
O encanto
sobrenatural
que há
nas coisas da Natureza!
...
se nela algo te dá
encanto ou medo,
não me digas que seja feia
ou má,
é, acaso, singular...
Numa das obras poéticas mais importantes da cultura do
Ocidente europeu, as Metamorfoses, o poeta romano Ovídio exprimiu todos
esses sentimentos que experimentamos diante da mudança, da renovação e da
repetição, do nascimento e da morte das coisas e dos seres humanos. Na parte
final de sua obra, lemos:
Não há
coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta
uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um
rio... O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma
coisa nova. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do
dia suceder a escuridão da noite... Não vês as estações do ano se sucederem,
imitando as idades de nossa vida? Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante
à criança nova... A planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de
esperança o agricultor. Tudo floresce. O fértil campo resplandece com o
colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra
mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente. Chega,
por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o
meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem. Vem, depois, o
tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas
das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos.
Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso... E também a Natureza não
descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas. Nada
morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados... Todos os
seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome
de fênix. Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do
suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no
alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da
mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes. De suas
cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos... Assim
também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste.
Fonte: CHAUÍ, Marilena.
Convite à Filosofia.
São Paulo: Ed. Ática, 2000.
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