Kant e o Entendimento
Após
receber as diversas percepções que o sujeito obtém, graças às condições à
priori, ou puras, da sensibilidade em geral (o Espaço e o Tempo), estas
percepções são enviadas para a estrutura do Entendimento. Assim como a
sensibilidade possui essas duas condições à priori, já estudadas, também o
entendimento irá possuir uma estrutura interna (uma sub-estrutura), que
igualmente existe à priori no sujeito comum, encarregada de receber as diversas
percepções sensíveis e organizá-las segundo certos critérios. Enquanto a
Sensibilidade em geral fornece as condições para as percepções, o Entendimento
em geral as classifica segundo suas qualidades, universalidade,
particularidades, causalidades, finalidades etc.
Com
a organização propiciada pelo Entendimento, o sujeito se vê em condições de
criar abstrações acerca das diversas observações particulares propiciadas pela
percepção. Estas abstrações são os chamados conceitos, ou Idéias, que não se
referem a nenhum objeto particular. É graças a essa capacidade de criar
generalizações, de poder trabalhar com conceitos puros, que o homem se vê livre
das condições ambientais particulares que o cercam. Ele consegue falar do Tempo
em geral e não apenas da hora que passou, ele consegue falar do Espaço em geral
e não apenas do lugar que seu corpo ocupa num dado momento. É graças ao
conceito que o homem articula intelectualmente as percepções, de modo a criar
relações entre elas, como relações de causalidade, de quantidade, de qualidade.
Também
neste caso percebemos que os conceitos não estão no mundo, mas numa capacidade
intelectual do sujeito, nas estruturas internas do seu Entendimento. A
estrutura do Entendimento, assim como a da Sensibilidade, precisa do ‘Sujeito
em geral’ para existir, no entanto ela existe antes (de maneira à priori) no
‘sujeito particular’. É graças à capacidade do Entendimento, por exemplo, que
podemos pensar no Átomo, ainda que nunca tenhamos tido a oportunidade de ver
um. Também é graças ao Entendimento que somos capazes de imaginar as grandes
distâncias que separam as estrelas no céu, ainda que à primeira vista elas
pareçam estar separadas entre si por apenas alguns poucos centímetros.
A
articulação entre a estrutura da Sensibilidade e a do Entendimento é fornecida
pela Razão Pura; juntas, as três estruturas produzem um conhecimento geral ou
particular. Separadas, perdem todo o sentido funcional e se tornam
absolutamente inoperantes. O que é importante de ser ressaltado na filosofia
kantiana é que todo o conhecimento é, na verdade, o resultado da capacidade de
julgar. Para realizarmos julgamentos sobre as diversas situações do mundo, é
necessária a criação e a articulação de juízos. Por sua vez, os juízos são
afirmações declarativas a respeito de um dado evento, fenômeno ou situação. Por
exemplo: “Julgo que o resultado da soma de 1 e 1 seja 2”; “Julgo que eu esteja
doente”; “Julgo que o céu é azul”; “Julgo que aquele homem seja o assassino”;
“Julgo que eles sejam amantes e que se encontram na calada da noite para que
ninguém os perceba e, assim, permaneçam no protetor silêncio do anonimato”; e
assim por diante.
Neste
sentido, vale a pena lembrar a distinção entre à priori e à posteriori que, no
âmbito do discurso, aparecem nas formas respectivas: juízo analítico e juízo
sintético. Os juízos analíticos são proposições que não necessitam, por assim
dizer, de qualquer comprovação empírica. Portanto, todos os juízos analíticos
são à priori, ou seja, são a expressão de uma verdade óbvia ou irrefutável que
se mostra pela linguagem. Por exemplo: “Aquela mulher é do sexo feminino” ou “O
resultado da soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é sempre 180º”.
Como se vê, não é necessário, se tomarmos apenas o que é dito nas afirmações
acima, realizar uma experiência qualquer para nos certificarmos das respectivas
verdades internas destas afirmações. Por sua vez, os juízos sintéticos são
naturalmente à posteriori, na medida em que são expressões cuja verdade
necessitam de uma confirmação por meio da experiência. Nos juízos sintéticos,
as verdades das declarações não decorrem naturalmente como nos juízos
analíticos.
Assim,
quando nos referimos às verdades universais e necessárias da matemática, da
geometria, da lógica, utilizamos os juízos analíticos que, por sua qualidade
mesma (universalidade e necessidade), se dão a este fim. No entanto, quando nos
referimos aos eventos corriqueiros do mundo, às experiências e às sensações
particulares, invariavelmente fazemos uso de juízos sintéticos que, por serem à
posteriori, apresentam uma situação cuja verdade pressupõe a verificação. Este
é o campo das ciências naturais como a Física, a Biologia, a Química etc, cujas
afirmações aparecem na forma de juízos sintéticos.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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