Freud: Mente e Espírito
Sigmund
Freud foi um dos nomes mais influentes e controversos do final do século XIX
até meados do século XX. Seus principais trabalhos se voltaram para o campo da
psicologia, mas ele também produziu um material bastante coeso que perpassa os
campos da medicina, filosofia, fisiologia e antropologia. No entanto, todas
estas outras atividades à que Freud se dedicou possuíam um único fim,
investigar os limites, as raízes, os alcances e as capacidades do que
poderíamos chamar de nossa atividade mental. Também é atribuído a Freud a
criação de uma nova atividade terapêutica: a Psicanálise, por meio da qual se
poderia ir cada vez mais fundo nos motivos e nas maquinações da mente humana
com o objetivo claro de obter uma cura aos males de ordem psicológica.
Inicialmente,
é necessário recordar sobre os dois âmbitos em que, segundo Descartes, podemos
localizar o Ser Humano. O âmbito físico e o âmbito mental ou espiritual. Porém,
antes de Descartes, só se podia saber o que significavam as palavras “Físico” e
“Mental” pela oposição direta que elas criavam entre si quando eram colocadas
lado a lado: assim, diz-se “Físico é o contrário de Espiritual” ou “Mental ou
Espiritual é o contrário de Físico”. Sabemos, por exemplo, que os gregos
antigos usavam a palavra “phisis” para denominar o substrato de tudo o que era
aparente; e a palavra “psiqué” para designar a força que movia os seres.
Deixando de lado toda a análise etimológica destas duas palavras, culminamos no
significado atual de “Físico” ou “Fisiológico”, por um lado, e “Psíquico” ou
“Psicológico” por outro.
No
físico buscamos as causas aparentes para os fenômenos. Um médico, por exemplo,
por meio dos diversos exames, procura as causas físicas ou orgânicas de uma
determinada moléstia que aflige o corpo de seu paciente. No momento em que a
encontra, ele irá tomar as providências cabíveis para tentar eliminar a origem
deste mal, erradicando-o, extraindo-o ou, na pior das hipóteses, tentando
diminuir os seus efeitos danosos. Todo o processo de diagnóstico, prevenção,
tratamento e cura ocorre no âmbito da Phisis. O padre, à sua maneira, age como
um médico. Ele investiga a vida passada e presente do fiel tentando avaliar o
grau de sua saúde espiritual. Dadas certas condições, ele irá, então,
“receitar” algum tipo de tratamento, no sentido de apaziguar o tormento
espiritual que porventura esteja atingindo este fiel. No entanto, o padre não
trabalha no âmbito do que aparece, ao contrário disso, ele trabalha justamente
no âmbito da Psiqué, a mola invisível que dá forças ao “ser movente” (ao
sujeito).
No
século XIX, a ciência, incluindo a medicina, não se contentou em realizar suas
investigações somente no âmbito da Phisis. Havia a necessidade de conhecer
racionalmente, também, as forças invisíveis que direcionam o comportamento do
espírito humano. Neste sentido, surgiram às Ciências Sociais, a Economia e a
Psicologia da maneira moderna como as entendemos hoje: como Ciências Humanas. A
psicologia se enquadra como uma ciência, pois, metodicamente, tenta averiguar
as causas que ocasionam certos estados e efeitos no indivíduo. Porém a sua
situação perante as Ciências Naturais ou Exatas é um pouco constrangedora,
pois, ao contrário delas, a psicologia não tem um objeto de estudo claramente
definido. Dizer que a psicologia estuda a mente humana é dizer muito pouco
acerca dela. Isto ocorre porque pouco se conhece a respeito da mente humana, ou
seja, não há uma precisão nem um acordo muito claro, seja sobre o objeto de
estudo (a mente/espírito), seja sobre o melhor método para se abordar este
objeto. Na verdade, não se sabe, nem ao menos, se a mente pode ser encarada
como um “Objeto” no sentido ortodoxo da palavra. Na verdade, é a filosofia que
tenta definir o estatuto do que podemos chamar de mental, principalmente por
meio da Filosofia da Mente.
Freud
tomou emprestado de Schopenhauer e de outros filósofos e psicólogos alguns
pontos para montar o seu próprio discurso sobre a Mente. De maneira muito
resumida, podemos dizer que a Mente, para Freud, é um modelo teórico em que
encontramos dois âmbitos bastante distintos. O primeiro deles é o âmbito da
Consciência, no qual podemos encontrar alguns dos processos mais comuns de
nossa vida em vigília. Quando dizemos que estamos conscientes, no sentido
freudiano da palavra, queremos significar com isto que estamos atentos a uma
determinada situação interior ou exterior ao nosso corpo e que aparece à nossa
percepção ou às nossas sensações internas. A consciência, portanto, se liga à
percepção do mundo que nos rodeia e este mundo inclui, também, o nosso próprio
corpo. Quando falamos, trabalhamos, escrevemos, comemos, dizemos que estamos em
um ‘estado mental consciente’, porque podemos realizar uma percepção direta, em
momento presente, dos detalhes pertinentes a cada uma destas atividades.
Porém
há, ainda, um âmbito muito maior, e que também constitui a Mente; este âmbito
Freud achou por bem chamar de Inconsciente. Não se pode afirmar coisas sobre o
Inconsciente, assim como acabamos de fazer com o Consciente. Para Freud, o
Inconsciente certamente existe, no entanto, a demonstração de sua existência só
acontece por vias indiretas, isto é, quando nos encontramos em estado
consciente. O raciocínio que o pai da psicanálise utiliza para afirmar que o
Inconsciente existe é o seguinte: sem a postulação (a afirmação de sua
existência) do Inconsciente, não se pode explicar muitas das atividades mentais
que, aparentemente, se mostram de quando em quando nos indivíduos. Sem a
existência do Inconsciente estas atividades mentais não fazem sentido ao
aparecerem no comportamento humano; neste sentido são consideradas irracionais
e despropositadas.
Os
sonhos, os atos falhos, as neuroses e as diversas psico-patologias são
considerados, por Freud, como provas indiretas da existência do Inconsciente.
São provas “indiretas” porque só podem ser evidenciadas no âmbito da
Consciência. Por exemplo: quando acordamos pela manhã e nos lembramos dos
diversos sonhos que tivemos à noite, estamos conscientizando um fenômeno que
não era, até então, consciente. Daí Freud se pergunta: ‘Se este fenômeno não
estava na consciência, onde então se encontrava (?)’, e ele mesmo responde
‘senão no Inconsciente’.
Dentro
do âmbito do Inconsciente, Freud aponta para uma série de movimentos teóricos
que explicam muitas de nossas atividades mentais simples e comuns, assim como
também as diversas síndromes e patologias que não possuem uma causa aparente,
isto é, doenças que não têm, no corpo, uma causa. É correto, pois, afirmar que,
segundo Freud, nossos comportamentos possuem raízes muitas vezes inconscientes
e, por este motivo, desconhecidas. Estas causas psíquicas dos nossos
comportamentos merecem a análise das Ciências, não devendo, portanto, ser
consideradas totalmente inacessíveis.
Freud,
por meio do recurso teórico do Inconsciente, tentou desvendar estas causas de
ordem psicológicas e oferecer respostas racionais às dúvidas sobre os nossos
desejos e angústias. Ele tentou evidenciar a força invisível que move o
sujeito. Ele se esforçou por tornar aparente não o que estava para além do
nosso alcance experimentável (o Espírito Metafísico) mas, simplesmente, o que
estava escondido bem embaixo do nosso nariz: a Mente Humana.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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