O nascimento da Filosofia
Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e
local de nascimento: final do século VII e início do século VI antes de Cristo,
nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região
denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de
Mileto.
Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu
primeiro autor, a Filosofia também possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia.
A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que
significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos,
que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a
Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza,
donde, cosmologia.
Apesar da segurança desses dados, existe um problema que,
durante séculos, vem ocupando os historiadores da Filosofia: o de saber se a
Filosofia - que é um fato especificamente grego - nasceu por si mesma ou
dependeu de contribuições da sabedoria oriental (egípcios, assírios, persas,
caldeus, babilônios) e da sabedoria de civilizações que antecederam à grega, na
região que, antes de ser a Grécia ou a Hélade, abrigara as civilizações de
Creta, Minos, Tirento e Micenas.
Durante muito tempo, considerou-se que a Filosofia nascera
por transformações que os gregos operaram na sabedoria oriental (egípcia,
persa, caldéia e babilônica). Assim, filósofos como Platão e Aristóteles
afirmavam a origem oriental da Filosofia. Os gregos, diziam eles, povo
comerciante e navegante, descobriram, através das viagens, a agrimensura dos
egípcios (usada para medir as terras, após as cheias do Nilo), a astrologia dos
caldeus e dos babilônios (usada para prever grandes guerras, subida e queda de
reis, catástrofes como peste, fome, furacões), as genealogias dos persas
(usadas para dar continuidade às linhagens e dinastias dos governantes), os
mistérios religiosos orientais referentes aos rituais de purificação da alma
(para livrá-la da reencarnação contínua e garantir-lhe o descanso eterno), etc.
A Filosofia teria nascido pelas transformações que os gregos impuseram a esses
conhecimentos.
Dessa forma, da agrimensura, os gregos fizeram nascer duas
ciências: a aritmética e a geometria; da astrologia, fizeram surgir também duas
ciências: a astronomia e a meteorologia; das genealogias, fizeram surgir mais
uma outra ciência: a história; dos mistérios religiosos de purificação da alma,
fizeram surgir as teorias filosóficas sobre a natureza e o destino da alma
humana.
Todos esses conhecimentos teriam propiciado o aparecimento
da Filosofia, isto é, da cosmologia, de sorte que a Filosofia só teria podido
nascer graças as saber oriental.
Essa idéia de uma filiação oriental da Filosofia foi muito
defendida oito séculos depois de seu nascimento (durante os séculos II e III
depois de Cristo), no período do Império Romano. Quem a defendia? Os pensadores
judaicos, como Filo de Alexandria, e os Padres da Igreja, como Eusébio de
Cesaréia e Clemente de Alexandria.
Por que defendiam a origem oriental da Filosofia grega?
Pelo seguinte motivo: a Filosofia grega tornara-se, em toda a Antigüidade
clássica, e para os poderosos da época, os romanos, a forma superior ou mais
elevada do pensamento e da moral.
Os judeus, para valorizar seu pensamento, desejavam que a
Filosofia tivesse uma origem oriental, dizendo que o pensamento de filósofos
importantes, como Platão, tinha surgido no Egito, onde se originara o
pensamento de Moisés, de modo que havia uma ligação entre a Filosofia grega e a
Bíblia.
Os Padres da Igreja, por sua vez, queriam mostrar que os
ensinamentos de Jesus eram elevados e perfeitos, não eram superstição, nem
primitivos e incultos, e por isso mostravam que os filósofos gregos estavam
filiados a correntes de pensamento místico e oriental e, dessa maneira,
estariam próximos do cristianismo, que é uma religião oriental.
No entanto, nem todos aceitaram a tese chamada “orientalista”,
e muitos, sobretudo no século XIX da nossa era, passaram a falar na Filosofia
como sendo o “milagre grego”.
Com a palavra “milagre” queriam dizer várias coisas:
● que a Filosofia surgiu inesperada e espantosamente na
Grécia, sem que nada anterior a preparasse;
● que a Filosofia grega foi um acontecimento espontâneo,
único e sem par, como é próprio de um milagre;
● que os gregos foram um povo excepcional, sem nenhum outro
semelhante a eles, nem antes e nem depois deles, e por isso somente eles
poderiam ter sido capazes de criar a Filosofia, como foram os únicos a criar as
ciências e a dar às artes uma elevação que nenhum outro povo conseguiu, nem
antes e nem depois deles.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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