Principais características da Filosofia nascente
O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços
principais:
● tendência à racionalidade, isto é, a razão e somente a
razão, com seus princípios e regras, é o critério da explicação de alguma
coisa;
● tendência a oferecer respostas conclusivas para os
problemas, isto é, colocado um problema, sua solução é submetida à análise, à
crítica, à discussão e à demonstração, nunca sendo aceita como uma verdade, se
não for provado racionalmente que é verdadeira;
● exigência de que o pensamento apresente suas regras de
funcionamento, isto é, o filósofo é aquele que justifica suas idéias provando
que segue regras universais do pensamento. Para os gregos, é uma lei universal
do pensamento que a contradição indica erro ou falsidade. Uma contradição
acontece quando afirmo e nego a mesma coisa sobre uma mesma coisa (por exemplo:
“Pedro é um menino e não um menino”, “A noite é escura e clara”, “O infinito
não tem limites e é limitado”). Assim, quando uma contradição aparecer numa
exposição filosófica, ela deve ser considerada falsa;
● recusa de explicações preestabelecidas e, portanto,
exigência de que, para cada problema, seja investigada e encontrada a solução
própria exigida por ele;
● tendência à generalização, isto é, mostrar que uma
explicação tem validade para muitas coisas diferentes porque, sob a variação
percebida pelos órgãos de nossos sentidos, o pensamento descobre semelhanças e
identidades.
Por exemplo, para meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo
é diferente da neblina, que é diferente do vapor de uma chaleira, que é diferente
da chuva, que é diferente da correnteza de um rio. No entanto, o pensamento
mostra que se trata sempre de um mesmo elemento (a água), passando por
diferentes estados e formas (líquido, sólido, gasoso), por causas naturais
diferentes (condensação, liquefação, evaporação).
Reunindo semelhanças, o pensamento conclui que se trata de
uma mesma coisa que aparece para nossos sentidos de maneiras
diferentes, e como se fossem coisas diferentes. O pensamento generaliza porque
abstrai (isto é, separa e reúne os traços semelhantes), ou seja, realiza uma síntese.
E o contrário também ocorre. Muitas vezes nossos órgãos dos
sentidos nos fazem perceber coisas diferentes como se fossem a mesma coisa, e o
pensamento demonstrará que se trata de uma coisa diferente sob a
aparência da semelhança.
No ano de 1992, no Brasil, os jovens estudantes pintaram a
cara com as cores da bandeira nacional e saíram às ruas para exigir o
impedimento do presidente da República.
Logo depois, os candidatos a prefeituras municipais contrataram
jovens para aparecer na televisão com a cara pintada, defendendo tais
candidaturas. A seguir, as Forças Armadas brasileiras, para persuadir jovens a
servi-las, contrataram jovens caras-pintadas para aparecer como soldados,
marinheiros e aviadores. Ao mesmo tempo, várias empresas, pretendendo vender
seus produtos aos jovens, contrataram artistas jovens para, de cara pintada,
fazer a propaganda de seus produtos.
Aparentemente, teríamos sempre a mesma coisa - os jovens
rebeldes e conscientes, de cara pintada, símbolo da esperança do País. No
entanto, o pensamento pode mostrar que, sob a aparência da semelhança
percebida, estão diferenças, pois os primeiros caras-pintadas fizeram um
movimento político espontâneo, os segundos fizeram propaganda política para um
candidato (e receberam para isso), os terceiros tentaram ajudar as Forças
Armadas a aparecer como divertidas e juvenis, e os últimos, mediante
remuneração, estavam transferindo para produtos industriais (roupas, calçados,
vídeos, margarinas, discos, iogurtes) um símbolo político inteiramente
despolitizado e sem nenhuma relação com sua origem.
Separando as diferenças, o pensamento realiza, nesse caso,
uma análise.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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