O que perguntavam os primeiros filósofos
Por que os seres nascem e morrem? Por que os semelhantes
dão origem aos semelhantes, de uma árvore nasce outra árvore, de um cão nasce
outro cão, de uma mulher nasce uma criança? Por que os diferentes também
parecem fazer surgir os diferentes: o dia parece fazer nascer a noite, o
inverno parece fazer surgir a primavera, um objeto escuro clareia com o passar
do tempo, um objeto claro escurece com o passar do tempo?
Por que tudo muda? A criança se torna adulta, amadurece,
envelhece e desaparece. A paisagem, cheia de flores na primavera, vai perdendo
o verde e as cores no outono, até ressecar-se e retorcer-se no inverno. Por que
um dia luminoso e ensolarado, de céu azul e brisa suave, repentinamente, se
torna sombrio, coberto de nuvens, varrido por ventos furiosos, tomado pela
tempestade, pelos raios e trovões?
Por que a doença invade os corpos, rouba-lhes a cor, a
força? Por que o alimento que antes me agradava, agora, que estou doente, me
causa repugnância? Por que o som da música que antes me embalava, agora, que
estou doente, parece um ruído insuportável?
Por que o que parecia uno se multiplica em tantos outros?
De uma só árvore, quantas flores e quantos frutos nascem! De uma só gata,
quantos gatinhos nascem!
Por que as coisas se tornam opostas ao que eram? A água do
copo, tão transparente e de boa temperatura, torna-se uma barra dura e gelada,
deixa de ser líquida e transparente para tornar-se sólida e acinzentada. O dia,
que começa frio e gelado, pouco a pouco, se torna quente e cheio de calor.
Por que nada permanece idêntico a si mesmo? De onde vêm os
seres? Para onde vão, quando desaparecem? Por que se transformam? Por que se
diferenciam uns dos outros? Mas também, por que tudo parece repetir-se? Depois
do dia, a noite; depois da noite, o dia. Depois do inverno, a primavera, depois
da primavera, o verão, depois deste, o outono e depois deste, novamente o
inverno. De dia, o sol; à noite, a lua e as estrelas. Na primavera, o mar é
tranqüilo e propício à navegação; no inverno, tempestuoso e inimigo dos homens.
O calor leva as águas para o céu e as traz de volta pelas chuvas. Ninguém nasce
adulto ou velho, mas sempre criança, que se torna adulto e velho.
Foram perguntas como essas que os primeiros filósofos
fizeram e para elas buscaram respostas.
Sem dúvida, a religião, as tradições e os mitos explicavam
todas essas coisas, mas suas explicações já não satisfaziam aos que
interrogavam sobre as causas da mudança, da permanência, da repetição, da
desaparição e do ressurgimento de todos os seres. Haviam perdido força
explicativa, não convenciam nem satisfaziam a quem desejava conhecer a verdade
sobre o mundo.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São Paulo: Ed. Ática, 2000.
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