As ciências da vida
As ciências biológicas (bios, em grego, significa vida) ou
ciências da vida fazem parte das ciências da Natureza ou ciências
experimentais.
Os primeiros biólogos foram
médicos: os pré-socráticos Empédocles ou Anaxágoras, e o pós-socrático
Aristóteles. Para todos eles interessava, antes de tudo, determinar a fonte ou
origem da vida e a localizaram no calor,
dando-lhe como sede o fígado (Empédocles) ou o coração (Anaxágoras e
Aristóteles). Além da busca do princípio vital, Aristóteles interessou-se pelo
fenômeno da reprodução, distinguindo os seres vivos em vivíparos e ovíparos. E
a ele devemos a classificação dos seres vivos em gêneros e espécies.
Do século XVII até a primeira
metade do século XX (1939-1940), predominou na biologia a investigação
fisiológica. A fisiologia interessa-se pelas funções realizadas pelos seres vivos: circulação do sangue (com
Harvey), digestão (com Réaumur e Spallanzani), respiração (com Priestley e
Lavoisier) e locomoção ou neuromusculatura (com Haller e Whytt). A seguir, o
interesse fisiológico dirigiu-se para o estudo do funcionamento específico dos
vários órgãos e seus tecidos e, finalmente, para a investigação das células.
Foi no estudo celular que, no século XIX, Mendel deu início ao que iria
tornar-se o centro da biologia do nosso século: a genética.
Todo problema epistemológico das
ciências biológicas consiste em saber se os procedimentos e os conceitos usados
pela física e pela química podem ser empregados para a investigação do fenômeno
da vida.
De fato, a biologia partiu da
distinção entre seres inorgânicos e seres orgânicos – plantas e animais – para
distinguir os fenômenos vitais dos fatos físicos e químicos. Entretanto, dois
acontecimentos puseram em dúvida a descontinuidade entre a matéria (inorgânica)
e a vida (orgânica). Em primeiro lugar, no século XIX, a síntese química da
ureia, que revelou fenômenos químicos como essenciais ao processo vital, dando
origem à bioquímica. Em segundo lugar, no século passado, a descoberta das
nucleoproteínas revelou que os corpos químicos (as moléculas) e os corpos vivos (as células) comportam-se da mesma maneira. Os estudos de
bacteriologia, dos corpos cancerígenos, assim como os trabalhos de embriologia
e a descoberta dos vírus foram na mesma direção, revelando profundas
semelhanças entre fatos químicos e vitais.
No entanto, apesar das
discussões sobre a essência da vida não terem chegado a conclusões definitivas,
a biologia distingue os seres inorgânicos e os vivos definindo estes últimos
pelas idéias de célula e funções realizadas pela célula, unidade
vital e orgânica básica. A vida caracteriza-se pelas seguintes funções:
● irritabilidade: uma célula é
uma atividade que reage e responde às excitações ou estímulos do meio ambiente
– temperatura, luz, obscuridade, pressão, alimento, etc. A vida é uma adaptação
ativa e protetora diante das alterações do meio ambiente, sendo, assim, relação do organismo com seu ambiente,
na qual o ser vivo busca equilíbrio
com o meio. A ruptura desse equilíbrio é a doença e a morte;
● metabolismo: a irritabilidade ou adaptação ao meio é feita por um
conjunto de trocas entre o organismo e o meio. A célula assimila e transforma
aquilo que consome sob a forma de alimentação, respiração, assimilação ou perda
de substância, gastos energéticos, etc. O metabolismo é, pois, um conjunto de
transformações químicas realizadas no interior do organismo numa relação de
troca e consumo com o meio ambiente;
● divisão e crescimento: uma
célula tem o poder de dividir-se, ou seja, de crescer para garantir que o ser
vivo atinja seu desenvolvimento próprio e também para reparar danos sofridos
pelo organismo, como por exemplo a divisão e a multiplicação de células da
epiderme para curar um ferimento;
● reprodução: a célula tem o
poder de reproduzir-se e a reprodução de um ser vivo se faz ou pela fusão de
certo tipo especial de células (os gametas femininos e masculinos), ou, nos
chamados organismos unicelulares, pela auto-reprodução da célula, sem a função
sexual. A reprodução garante a sobrevivência da espécie através dos indivíduos;
● individualidade: um ser vivo,
mesmo unicelular, forma um indivíduo, isto é, um sistema único e fechado, cujas
partes se correspondem reciprocamente e concorrem para a mesma ação;
● organicidade: o ser vivo é
constituído por órgãos (palavra que vem do grego, órganon, instrumento que realiza uma função), isto é, por um
conjunto diferenciado de funções, que garantem a conservação e a reprodução da
vida.
O ser vivo é, pois, um organismo e um indivíduo. É portador de quatro
características principais: a interioridade, a auto-apresentação, a
auto-organização e a auto-reprodução.
Interioridade: realiza comportamentos, isto é, possui
disposições internas, que lhe permitem relacionar-se ativamente com o meio
ambiente. Auto-apresentação:
manifesta-se com uma estrutura ou forma externa completa, que pressupõe a
existência de estruturas internas parciais, com as quais o organismo se
apresenta como indivíduo e como espécie diferente de todas as outras. Auto-organização: é o resultado de um
longo processo de evolução e adaptação ao meio, que permite a um organismo
tornar-se cada vez mais complexo e ter, interna e externamente, funções cada
vez mais especializadas para seus órgãos. Auto-reprodução:
por meio da função sexual, o organismo é capaz de reproduzir um outro seu
semelhante, perpetuando, tanto quanto possível, a espécie; por meio da divisão
e da separação (no caso dos seres que se reproduzem assexuadamente), o
organismo é capaz de engendrar um outro, semelhante a si, perpetuando-se.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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