Desmentindo a evolução e o progresso científicos
A Filosofia das Ciências,
estudando as mudanças científicas, impôs um desmentido às idéias de evolução e
progresso. Isso não quer dizer que a Filosofia das Ciências viesse a falar em
atraso e regressão científica, pois essas duas noções são idênticas às de
evolução e progresso, apenas com o sinal trocado (em vez de caminhar causal e
continuamente para frente, caminhar-se-ia causal e continuamente para trás). O
que a Filosofia das Ciências compreendeu foi que as elaborações científicas e
os ideais de cientificidade são diferentes
e descontínuos.
Quando, por exemplo, comparamos
a geometria clássica ou geometria euclidiana (que opera com o espaço plano) e a
geometria contemporânea ou topológica (que opera com o espaço tridimensional),
vemos que não se trata de duas etapas ou de duas fases sucessivas da mesma
ciência geométrica, e sim de duas geometrias diferentes, com princípios, conceitos,
objetos, demonstrações completamente diferentes. Não houve evolução e progresso
de uma para outra, pois são duas geometrias diversas e não geometrias
sucessivas.
Quando comparamos as físicas de
Aristóteles, Galileu -Newton e
Einstein, não estamos diante de uma mesma física, que teria evoluído ou
progredido, mas diante de três físicas diferentes, baseadas em princípios,
conceitos, demonstrações, experimentações e tecnologias completamente
diferentes. Em cada uma delas, a ideia de Natureza é diferente; em cada uma
delas os métodos empregados são diferentes; em cada uma delas o que se deseja
conhecer é diferente.
Quando comparamos a biologia
genética de Mendel e a genética formulada pela bioquímica (baseada na
descoberta de enzimas, de proteínas do ADN ou código genético), também não
encontramos evolução e progresso, mas diferença e descontinuidade. Assim, por
exemplo, o modelo explicativo que orientava o trabalho de Mendel era o da
relação sexual como um encontro entre duas entidades diferentes – o espermatozoide
e o óvulo -, enquanto o modelo que orienta a genética contemporânea é o da
cibernética e da teoria da informação.
Quando comparamos a ciência da
linguagem do século XIX (que era baseada nos estudos de filologia, isto é, nos
estudos da origem e da história das palavras) com a linguística contemporânea
(que, como vimos no capítulo dedicado à linguagem, estuda estruturas), vemos
duas ciências diferentes. E o mesmo pode ser dito de todas as ciências.
Verificou-se, portanto, uma
descontinuidade e uma diferença temporal entre as teorias científicas como
conseqüência não de uma forma mais evoluída, mais progressiva ou melhor de
fazer ciência, e sim como resultado de diferentes maneiras de conhecer e
construir os objetos científicos, de elaborar os métodos e inventar
tecnologias. O filósofo Gaston Bachelard criou a expressão ruptura epistemológica[i]
para explicar essa descontinuidade no conhecimento científico.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
[i]
Lembremos que a palavra epistemologia
é composta de dois termos gregos: episteme,
que significa ciência, e logia, vinda
de logos, significando conhecimento.
Epistemologia é o conhecimento filosófico sobre as ciências.
8 de agosto de 2023 às 19:40
Obrigado amigo, vc é um amigo 👍🏻