"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Falsificação X revolução


Vimos que a ciência contemporânea é construtivista, julgando que fatos e fenômenos novos podem exigir a elaboração de novos métodos, novas tecnologias e novas teorias.
Alguns filósofos da ciência, entre os quais Karl Popper, afirmaram que a reelaboração científica decorre do fato de ter havido uma mudança no conceito filosófico-científico da verdade. Esta, como já vimos, foi considerada durante muitos séculos como a correspondência exata entre uma ideia ou um conceito e a realidade. Vimos também que, no século passado, foi proposta uma teoria da verdade como coerência interna entre conceitos. Na concepção anterior, o falso acontecia quando uma ideia não correspondia à coisa que deveria representar. Na nova concepção, o falso é a perda da coerência de uma teoria, a existência de contradições entre seus princípios ou entre estes e alguns de seus conceitos.  

Popper afirma que as mudanças científicas são uma conseqüência da concepção da verdade como coerência teórica. E propõe que uma teoria científica seja avaliada pela possibilidade de ser falsa ou falsificada.
Uma teoria científica é boa, diz Popper, quanto mais estiver aberta a fatos novos que possam tornar falsos os princípios e os conceitos em que se baseava. Assim, o valor de uma teoria não se mede por sua verdade, mas pela possibilidade de ser falsa. A falseabilidade seria o critério de avaliação das teorias científicas e garantiria a ideia de progresso científico, pois é a mesma teoria que vai sendo corrigida por fatos novos que a falsificam.
A maioria dos filósofos da ciência, entre os quais Khun, demonstrou o absurdo da posição de Popper. De fato, dizem eles, jamais houve um único caso em que uma teoria pudesse ser falsificada por fatos científicos. Jamais houve um único caso em que um fato novo garantisse a coerência de uma teoria, bastando impor a ela mudanças totais.
Cada vez que fatos provocaram verdadeiras e grandes mudanças teóricas, essas mudanças não foram feitas no sentido de “melhorar” ou “aprimorar” uma teoria existente, mas no sentido de abandoná-la por uma outra. O papel do fato científico não é o de falsear ou falsificar uma teoria, mas de provocar o surgimento de uma nova teoria verdadeira. É o verdadeiro e não o falso que guia o cientista, seja a verdade entendida como correspondência entre ideia e coisa, seja entendida como coerência interna das ideias.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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