Falsificação X revolução
Vimos que a ciência
contemporânea é construtivista, julgando que fatos e fenômenos novos podem
exigir a elaboração de novos métodos, novas tecnologias e novas teorias.
Alguns filósofos da ciência,
entre os quais Karl Popper, afirmaram que a reelaboração científica decorre do
fato de ter havido uma mudança no conceito filosófico-científico da verdade.
Esta, como já vimos, foi considerada durante muitos séculos como a
correspondência exata entre uma ideia ou um conceito e a realidade. Vimos
também que, no século passado, foi proposta uma teoria da verdade como
coerência interna entre conceitos. Na concepção anterior, o falso acontecia
quando uma ideia não correspondia à coisa que deveria representar. Na nova
concepção, o falso é a perda da coerência de uma teoria, a existência de
contradições entre seus princípios ou entre estes e alguns de seus conceitos.
Popper afirma que as mudanças
científicas são uma conseqüência da concepção da verdade como coerência
teórica. E propõe que uma teoria científica seja avaliada pela possibilidade de
ser falsa ou falsificada.
Uma teoria científica é boa, diz
Popper, quanto mais estiver aberta a fatos novos que possam tornar falsos os
princípios e os conceitos em que se baseava. Assim, o valor de uma teoria não
se mede por sua verdade, mas pela possibilidade de ser falsa. A falseabilidade seria o critério de
avaliação das teorias científicas e garantiria a ideia de progresso científico,
pois é a mesma teoria que vai sendo
corrigida por fatos novos que a falsificam.
A maioria dos filósofos da
ciência, entre os quais Khun, demonstrou o absurdo da posição de Popper. De
fato, dizem eles, jamais houve um único caso em que uma teoria pudesse ser
falsificada por fatos científicos. Jamais houve um único caso em que um fato
novo garantisse a coerência de uma teoria, bastando impor a ela mudanças
totais.
Cada vez que fatos provocaram
verdadeiras e grandes mudanças teóricas, essas mudanças não foram feitas no
sentido de “melhorar” ou “aprimorar” uma teoria existente, mas no sentido de
abandoná-la por uma outra. O papel do fato científico não é o de falsear ou falsificar
uma teoria, mas de provocar o surgimento de uma nova teoria verdadeira. É o
verdadeiro e não o falso que guia o cientista, seja a verdade entendida como
correspondência entre ideia e coisa, seja entendida como coerência interna das
ideias.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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