Karl Marx (Parte 01/07)
Karl Marx
(…)
Mais uma vez sentaram-se à mesa próxima da janela que
dava vista para o lago. Sofia ainda se lembrava muito bem de como tinha visto o
lago depois de ter bebido o líquido azul. Agora os dois frascos estavam sobre o
console da lareira. Sobre a mesa havia uma cópia em miniatura de um templo
grego.
- O que é isto? – perguntou Sofia.
- Uma coisa de cada vez, minha cara.
E então Alberto começou a falar sobre Marx:
- Em 1841, quando Kierkegaard foi a Berlim, é provável
que ele tenha se sentado ao lado de Karl Marx nas palestras de Schelling.
Kierkegaard tinha escrito uma tese sobre Sócrates, e Karl Marx, na mesma época,
tinha defendido o seu doutorado sobre Demócrito e Epicuro. Sobre o materialismo
na Antigüidade, portanto. Nos trabalhos dos dois já estava embutido o rumo que
suas reflexões filosóficas iriam tomar.
- Quer dizer, Kierkegaard se tornou um filósofo
existencialista e Marx um materialista.
- Chamamos Marx de um materialista histórico.
Voltaremos a isto mais adiante.
- Continue!
- Tanto Kierkegaard quanto Marx tomaram como ponto de
partida a filosofia de Hegel. Ambos foram influenciados pela forma de pensar
hegeliana, mas ambos também se distanciaram da noção hegeliana de espírito
universal, ou daquilo que chamamos do idealismo de Hegel.
- Na certa Hegel era um tanto vago para eles.
- Exatamente. De modo muito geral, podemos dizer que a
era dos grandes sistemas filosóficos terminou com Hegel. Depois dele, a
filosofia toma um novo rumo. Os grandes sistemas especulativos dão lugar às
“filosofias da existência” ou “filosofias da ação”, como também podemos
chamá-las. É a isto que Marx se refere quando diz que até então os filósofos
sempre tinham tentado interpretar o mundo, em vez de tentar modificá-lo. E são
exatamente essas palavras que determinam uma virada importante na história da
filosofia.
- Depois de ter me encontrado com Scrooge e com a menina
da caixa de fósforos, posso entender tranqüilamente o que Marx quis dizer.
- O pensamento de Marx tem, portanto, um objetivo prático
e político. É preciso salientar que ele não era apenas filósofo. Marx foi
também historiador, sociólogo e economista.
- E ele foi pioneiro em todas essas áreas?
- De qualquer forma, nenhum outro filósofo foi mais
importante para a prática política. Por outro lado, precisamos ter cuidado para
não identificarmos com seu pensamento tudo o que depois dele se chamou de “marxista”.
Dizem que o próprio Marx se tornou “marxista” por volta de 1845, mas que
durante toda a sua vida ele manifestou seu desconforto quanto a esta
designação.
- Jesus também não foi cristão?
- Também isto é discutível.
- Continue.
- Desde o início, seu amigo e colega Friedrich Engels
contribuiu para o que mais tarde foi chamado de marxismo. No século
passado, Lênin, Stalin, Mao e muitos outros reivindicaram o reconhecimento
público por terem levado o marxismo mais adiante. Nos países do Leste, depois
de Lênin, apareceu o conceito de “marxismo-leninismo”.
- Acho melhor a gente se concentrar no próprio Marx. Você
o chamou de “materialista histórico”, não foi?
- Ele não foi um filósofo materialista como os atomistas
da Antigüidade ou como os materialistas mecanicistas dos séculos XVII e XVIII.
Mas ele achava que eram as condições materiais de vida numa sociedade que
determinavam nosso pensamento e nossa consciência. Para ele, tais condições
materiais eram decisivas também para a evolução da história.
- Isso soa verdadeiramente diferente de Hegel e de seu
espírito universal.
- Hegel havia explicado que a evolução histórica surgia
da tensão entre opostos, que eram resolvidos numa mudança repentina.
Desaparecidos os opostos, desaparecia também a tensão, é claro. Marx concordava
com este pensamento. Ele achava apenas que o pobre Hegel tinha colocado tudo de
cabeça para baixo.
- Mas não o tempo todo, espero.
Extratos da obra de
GAARDER, Jostein.
O Mundo de Sofia. Romance da
História da Filosofia.
São Paulo: Cia das
Letras, 1996.
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