Mente e Espírito
A Ascensão - Tintoretto
Uma
questão que perturbou, e nos dias de hoje continua perturbando a cabeça de
muitos filósofos, é aquela relacionada às causas das atividades mentais nos
seres humanos, isto é, sobre a causa dos pensamentos e de seus correlatos. A
pergunta que muitos filósofos, teólogos e cientistas tentavam responder era a
seguinte: “O que nos põe a pensar?” ou “Seria a alma a responsável pelos movimentos
físicos e mentais nos homens?” ou “Será que a mente se encontra no cérebro?”
De
início, os filósofos concluíram que não somos como folhas ao vento, isto é, que
não nos movemos aleatoriamente, de um lado para o outro, de acordo com as
condições do meio ambiente, mas que possuímos uma vontade pessoal bastante marcante,
a qual controla o sentido e a direção de quase todos os nossos atos. O mesmo
acontece com os nossos pensamentos; notamos que pensamos sobre determinadas coisas
de acordo com nossos interesses particulares, concluindo que eles também devem
possuir uma explicação, uma causa, uma origem bastante determinada.
De
modo que tendo de haver uma explicação para tudo o que percebemos, e tendo
percebido que há movimento e pensamento em nossos corpos, então deve haver uma
explicação também para estes movimentos que ora são físicos (quando chutamos
uma bola), ora são volitivos (quando imaginamos que iremos conseguir fazer o
gol). Este porquê de nos movermos e pensarmos assumiu as formas mais
convenientes para cada época filosófica.
No
início era óbvio que nos movíamos, tanto física como intelectualmente, somente
graças à vontade divina. Esta foi a explicação mais conveniente mesmo depois de
haver iniciado o período da Razão. Ou seja, nesta época foi necessário a
postulação de um motor primeiro para explicar todos os movimentos existentes.
Este motor primeiro é encarado como aquilo que deu início a todo movimento,
sendo que antes dele não havia movimento de espécie alguma. O motor primeiro
simplesmente não requer explicação nem poderia ser humanamente explicado, ele
existe apenas como recurso de investigação na medida em que, sem ele, as
especulações filosóficas e científicas ficam sem base. Teologicamente este
Motor primeiro também é conhecido pelo nome de Deus.
Então,
teologicamente falando, somente a Deus podemos atribuir as causas pelas coisas
moventes na Terra. Nas pessoas, no entanto, pode-se perceber que, além dos
movimentos físicos comuns aos outros animais, também há os movimentos que
chamamos de espirituais ou mentais. Estes são movimentos invisíveis ao olho,
mas que estão presentes quando pensamos, desejamos, sentimos, amamos, ansiamos,
quando temos medo, raiva etc. Quase automaticamente, então, os filósofos e
outros teóricos passaram a fazer uma diferenciação entre dois tipos de
movimentos: os externos (físicos) e os internos (mentais ou espirituais).
Esta
diferenciação de movimentos também criou uma diferenciação entre dois mundos,
um mundo externo (físico) e um mundo interno (espiritual ou mental). No mundo
externo podemos encontrar os movimentos comuns, mecânicos e determinísticos.
Contudo, no mundo interno, no mundo espiritual ou mental, encontramos
movimentos muito diferentes destes. Isto é, os movimentos espirituais ou
mentais são incorpóreos e, por este motivo, não obedecem às leis da mecânica e
não precisam ser determinísticos.
A
imaginação, a capacidade de criar livremente, é um atributo do espírito (ou da
mente, como preferir). Assim sendo, fica claro como a liberdade do pensamento
ganha asas gigantescas quando no âmbito do “puramente mental”; prova disso são
alguns sonhos, por exemplo, em que estamos voando,em que estamos nus e ninguém
percebe ou em que vemos bruxas e dragões. A partir destas observações, muitas
vezes é possível obter a incrível conclusão de que somos capazes de transitar
em dois mundos distintos: um físico e um outro metafísico, um espiritual e um
outro material, um natural e um outro imaginário.
Apenas
muito recentemente os homens acharam por bem tentar entender o mental
utilizando as mesmas bases que estavam sendo usadas para entender o mundo
natural ou físico. Estas bases são as bases mecânicas do espaço e do tempo,
existentes em nosso mundo cotidiano. Assim, se o estômago é capaz de digerir
certos alimentos, é porque ele possui certas propriedades anatômicas e químicas
que o permitem realizar a digestão. Igualmente se imaginou que, se somos
capazes de pensar, só pode ser porque deve existir um órgão em nós com certas
propriedades anatômicas e químicas próprias para o efeito do pensamento.
Assim,
todas as atenções se voltaram para o cérebro como o órgão responsável pelos
movimentos mentais. Desta maneira o processo do pensamento, para todas as
análises futuras, deveria ser encarado como um movimento físico, da mesma forma
como é físico o processo digestivo realizado pelo estômago. A partir destas
teorias, o espiritual, a imaginação, o mental perderam sua causa divina, não
pertencendo mais a um mundo metafísico. Disto estão tão certos os atuais
pesquisadores da área como estavam certos os primeiros teóricos quando apontavam
para Deus como a única explicação para aquilo que nos anima, que nos move, que
nos empurra para querer viver e saber cada vez mais, ainda que este “mais”,
talvez, esteja bem longe do que se possa entender como “Verdade”.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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