"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Metafísica


Espelho falso - René Magritte

Quando alguém nos faz uma pergunta sobre o que seria a Realidade, imediatamente apontamos para uma série de objetos no mundo que imaginamos serem elementos dessa Realidade e exemplos convincentes sobre o que acreditamos ser mais fundamental para compreendê-la. Então dizemos: “Ora, a realidade é tudo o que sinto e percebo, é a cadeira, a mesa, o professor, a lousa etc”. Mas, se a pessoa que nos faz tal pergunta é um filósofo Metafísico, é muito provável que ele não se sinta convencido de que a Realidade possa ser resumida neste tipo de resposta. É bem provável que este filósofo queira saber mais. Ele irá querer saber o que faz de cada coisa aquilo que ela é, não pela função ou lugar que ocupam enquanto objetos materiais, mas pela ideia ou conceito essenciais que podemos obter deles.  

Assim, Metafísica, em grego, quer dizer, literalmente, “aquilo que está para além da física”, ou seja, “aquilo que é considerado em si mesmo, em sua essência, independentemente das contingências do mundo material”. Um dos exemplos mais clássicos de uma filosofia metafísica é encontrado nas teorias platônicas acerca das Ideias. Como já vimos anteriormente, Platão acreditava que o mundo percebido pelos sentidos é um mundo inconstante, corruptível, passageiro, porque está repleto de cópias dos verdadeiros objetos que se encontram em um mundo supra terreno, o Mundo Inteligível. Nessa região, que só é alcançada pelo olho da Razão (ou da Alma), habitavam as Ideias que são os Originais de todos os objetos encontrados na Terra.
Essas Ideias (formas) platônicas, por serem essência (aquilo que é por si mesmo, ou seja, independente de qualquer outra coisa), possuem a característica da imutabilidade. Jamais se corrompem, mudam de forma ou deixam de ser algo para se transformar em um outro. Para Platão, alcançar este mundo onde as Ideias Originais habitavam era estar diante da manifestação máxima da Verdade. Para os gregos deste período, Verdade possuía um sentido bastante preciso, qual seja: Aquilo que existe; aquilo que é e não pode deixar de ser; aquilo que está presente ou aquilo que nos cerca. Por este motivo, Platão acreditava que os objetos físicos não podiam corresponder a exemplos da Verdade, justamente porque mudavam de forma com o passar do tempo, eram transitórios, corruptíveis, limitados, imperfeitos. A única conclusão a que ele poderia chegar era a de que estes objetos não existiam de fato, que eram uma ilusão enganosa, que não passavam de simulações daqueles que de fato existiam, que eram perfeitos, eternos, originais, e que deveriam estar para além do alcance dos nossos sentidos.
Para além da física, para além dos nossos sentidos, para além do tempo e do espaço, para além dos corpos e/ou dos objetos deste mundo. Este é o sentido puro de Metafísica, um campo filosófico de conhecimento dedicado a sistematizar as ideias e teorias sobre aquilo que subjaz a matéria, ou seja, sobre aquilo que causa ou provoca a matéria, mas que não se identifica com ela. Para os filósofos metafísicos, como era o caso de Platão, as essências causam o mundo físico, ainda que estejam irremediavelmente separadas dele e de nós, seres humanos. Para estes filósofos, a única maneira de restabelecer esta ligação com a essência perene das coisas seria por meio da filosofia que, com seu discurso e método racional de investigação, poderia mostrar o engano em se prender às aparências do mundo terreno.
Também podemos identificar a Metafísica, fora do campo da filosofia, na investigação teológica que tenta encontrar a causa primeira do mundo, sua essência, nas formas divinas. Neste caso específico, a Metafísica também pode se identificar com uma explicação de cunho religioso ou, até mesmo, supersticioso. A partir das teorias mecanicistas e deterministas sobre o mundo, muito da tradição metafísica, inclusive a teológica e religiosa, começou a ser colocada em segundo plano. Isto aconteceu porque as explicações baseadas em causas que habitavam um mundo supra-sensível deixaram de ser convincentes depois de filósofos como Hume e Kant. Isto é, as causas dos objetos e dos movimentos desses objetos tinham que ser encontradas neles mesmos, e não em algo que estava para além deles.
A metafísica se divide em dois momentos cronológicos na história da filosofia. No primeiro, se buscava o Ente, o Ser, a essência das coisas, nas suas possibilidades incorpóreas, de maneira independente da existência humana. Assim, neste primeiro momento ou sentido da Metafísica, as coisas e suas possibilidades de existência independem da vontade humana de conhecê-las. No exemplo tirado da filosofia de Platão, o Mundo Inteligível existiria independentemente do desejo humano de conhecê-lo ou de negá-lo. Já no segundo momento ou sentido metafísico, o sujeito do conhecimento se põe entre o objeto do conhecimento e sua essência. Isto é, a essência das coisas irá depender da capacidade cognitiva humana, ou seja, de uma habilidade do conhecimento. No primeiro caso, a Verdade independe de nossos gostos, desejos ou, mesmo, de nossa existência. Já no segundo caso, esta Verdade Essencial não tem razão de ser sem que haja alguém que a procure, que se interesse por ela, e que realize o movimento mental de descobri-la/inventá-la.

Fonte: Palavra em Ação.
CD-ROM, Claranto Editora.

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