A lógica estoica
Vimos que Aristóteles emprega a
palavra analítica para referir-se ao estudo das leis ou regras que o
pensamento deve seguir para exprimir a verdade. Não emprega a palavra lógica.
Esta foi introduzida por uma corrente filosófica do período final da Filosofia
grega, o estoicismo.
Os estoicos afirmavam que só
existem corpos (mesmo a alma era corporal, sendo um sopro sutil e invisível, o pneuma).
Afirmavam também que há certas coisas que não existem propriamente, mas
subsistem por meio de outras, sendo incorporais. Entre os incorporais colocavam
o exprimível, isto é, a linguagem ou o discurso, e consideravam o estudo
dos discursos ou dos logoi uma disciplina filosófica especial: a lógica.
Por afirmarem que somente os
corpos existem, os estoicos afirmavam, como conseqüência, que os juízos e as
proposições só poderiam referir-se ao particular ou ao singular, uma vez que os
universais não têm existência, ou seja, não existem corpos universais, mas
apenas singulares. As coisas singulares se imprimem em nós por meio da
percepção ou da representação; sobre elas formulamos os juízos e os exprimimos
em proposições verdadeiras ou falsas, cabendo à lógica duas tarefas:
1. determinar os critérios pelos
quais uma proposição pode ser considerada verdadeira ou falsa; e
2. estabelecer as condições para
o encadeamento verdadeiro de proposições, isto é, o raciocínio como ligação
entre proposições singulares.
Por meio da percepção temos a
representação direta de uma realidade. Nossa memória guarda a recordação dessa
representação e de muitas outras, formando a experiência. Da experiência nascem
noções gerais sobre as coisas, noções comuns, que são antecipações sobre
as coisas singulares de que temos ou teremos percepções.
A lógica se refere à relação
entre as noções comuns gerais e as representações particulares. As noções comuns
gerais correspondem ao que Aristóteles chamou de categorias, mas reduzidas a
apenas quatro:
1. o sujeito ou substância,
expresso por um substantivo ou por um pronome;
2. a qualidade, expressa por
adjetivos;
3. a ação e a paixão, expressas
pelos verbos;
4. a relação, que se estabelece
entre as três primeiras categorias.
Uma outra inovação importante
trazida pelos estoicos refere-se à proposição. Esta não é, como era para
Aristóteles, a atribuição de um predicado ao sujeito (S é P), mas
é um acontecimento expresso por palavras: o predicado é um verbo que
indica algo que acontece ou aconteceu com o sujeito: “Pedro morre” (e não
“Pedro é mortal”); “É dia, está claro” (e não “O dia é claro”); “João adoece”
(e não “João é doente”).
Como conseqüência das inovações
(só há corpos, só há coisas singulares, só há quatro categorias, somente o
verbo é predicado), os estoicos concebem a lógica como uma disciplina que se
ocupa dos significados, buscando, por meio deles, aquilo que significa e
aquilo que é. Por exemplo, se eu disser “Sócrates”, temos nessa palavra aquilo
que o significado significa – alguém chamado Sócrates -, e nela temos também o
próprio Sócrates, que é aquilo que é, ou seja, a coisa real significada pela
palavra Sócrates.
O significado estabelece a relação
entre a palavra Sócrates e o homem real Sócrates. O significado é, ao
mesmo tempo, a representação mental ou o conceito ou a noção que formamos de
Sócrates e a relação entre essa representação e o ser real de Sócrates. Em
suma, o significado é o que permite estabelecer a relação entre uma palavra e
um ser, pela mediação da representação mental que possuímos desse ser. É o sentido.
A lógica estoica opera com o sentido ou com o significado.
Uma proposição, para os
estoicos, é sempre um enunciado simples sobre um acontecimento referente a um
significado (“Sócrates escreve”, “Sócrates anda”, “Sócrates senta-se”). Existem
cinco tipos de ligações entre as proposições, formando cinco tipos de
raciocínios:
1. raciocínio hipotético,
que exprime uma relação entre um antecedente e um conseqüente, do tipo Se…
então… Por exemplo: “Se há fumaça, então há fogo; há fumaça, portanto, há
fogo”; “Se é noite, então há trevas; é noite, portanto, há trevas”;
2. raciocínio conjuntivo,
que simplesmente justapõe os acontecimentos. Por exemplo: “É dia, está claro”;
ou “É dia e está claro”;
3. raciocínio disjuntivo,
que separa os enunciados, de modo que somente um deles seja verdadeiro. Por
exemplo: “Ou é dia ou é noite”;
4. raciocínio causal, que
exprime a causa do acontecimento. Por exemplo: “Visto que está claro, portanto,
é dia”;
5. raciocínio relativo,
que exprime o mais (ou maior) e o menos (ou menor). Por exemplo: “Está menos
escuro quando é mais dia”.
De todos os tipos de raciocínio,
o mais importante é o hipotético, porque os outros são variantes dele, como se
pode observar no exemplo: “Este soldado tem sangue no peito; se tem sangue no
peito, feriu-se; tem sangue no peito, portanto, feriu-se”. Outro exemplo: “Será
dia ou noite?; se está claro, então é dia; portanto, não é noite”.
Durante a Idade Média, os
filósofos se dividiram em duas grandes correntes: os aristotélicos, como
santo Tomás de Aquino, e os chamados terministas, que adotaram a lógica
estoica, como foi o caso de Guilherme de Ockham. Os primeiros são considerados
racionalistas, enquanto os segundos são considerados empiristas, já que só
admitem a existência e a experiência de coisas singulares de que temos sensação
ou percepção, e porque só aceitam a conexão de proposições cuja conclusão
exprima fatos ou acontecimentos presentes.
A lógica contemporânea irá
buscar nos estoicos a ideia de relação, contrapondo-a à atribuição
aristotélica, que estabelece a inclusão do predicado no sujeito.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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