"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Características da metafísica em seus períodos


No primeiro período, a metafísica possui as seguintes características:
● investiga aquilo que é ou existe, a realidade em si;
● é um conhecimento racional apriorístico, isto é, não se baseia nos dados conhecidos diretamente pela experiência sensível ou sensorial (nos dados empíricos), mas nos puros conceitos formulados pelo pensamento puro ou pelo intelecto;
● é um conhecimento sistemático, isto é, cada conceito depende de outros e se relaciona com outros, formando um sistema coerente de idéias ligadas entre si;
● exige a distinção entre ser e parecer ou entre realidade e aparência, seja porque para alguns filósofos a aparência é irreal e falsa, seja porque para certos filósofos a aparência só pode ser compreendida e explicada pelo conhecimento da realidade que subjaz a ela.  

Esse primeiro período da metafísica termina quando Hume demonstra que os conceitos metafísicos não correspondem a nenhuma realidade externa, existente em si mesma e independente de nós, mas são meros nomes gerais para as coisas, nomes que nos vêm pelo hábito mental ou psíquico de associar em idéias as sensações, as percepções e as impressões dos sentidos, quando são constantes, freqüentes e regulares.
O segundo período tem seu centro na filosofia de Kant, que demonstra a impossibilidade dos conceitos tradicionais da metafísica para alcançar e conhecer a realidade em si das coisas. Em seu lugar, Kant propõe que a metafísica seja o conhecimento de nossa própria capacidade de conhecer – seja uma crítica[i] da razão pura teórica – tomando a realidade como aquilo que existe para nós enquanto somos o sujeito do conhecimento.
A metafísica poderá continuar usando o mesmo vocabulário que usava tradicionalmente, mas o sentido conceitual das palavras mudará totalmente, pois não se referem ao que existe em si e por si, mas ao que existe para nós e é organizado por nossa razão. Embora com muitas diferenças (que veremos mais tarde), Husserl trilhará um caminho próximo ao de Kant.
A metafísica contemporânea é chamada de ontologia (veremos posteriormente o sentido dessa palavra) e procura superar tanto a antiga metafísica (conhecimento da realidade em si, independente de nós), quanto a concepção kantiana (conhecimento da realidade como aquilo que é para nós, porque posto por nossa razão). Considera o objeto da metafísica a relação originária mundo-homem. Suas principais características são:
● investiga os diferentes modos como os entes ou os seres existem;
● investiga a essência ou o sentido (a significação) e a estrutura desses entes ou seres;
● investiga a relação necessária entre a existência e a essência dos entes e o modo como aparecem para nossa consciência, manifestação que se dá nas várias formas em que a consciência se realiza (percepção, imaginação, memória, linguagem, intersubjetividade, reflexão, ação moral e política, prática artística, técnicas);
● alguns consideram que a metafísica ou ontologia contemporânea deveria ser chamada de descritiva, porque, em vez de oferecer uma explicação apriorística da realidade, é uma interpretação racional da lógica da realidade, descrevendo as estruturas do mundo e as do nosso pensamento.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.



[i] Kant emprega a palavra crítica no sentido que possuía em grego: estudo das condições de possibilidade de alguma coisa. No caso, estudo das condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro. É a análise da estrutura da razão humana enquanto atividade teórica de conhecimento. Veja-se o capítulo 4 da Unidade 2, em que a posição kantiana é examinada.

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