"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

As indagações metafísicas


Por que há seres em vez do nada?

Por que uma coisa pode mudar e, no entanto, conservar sua identidade individual, de tal maneira que podemos dizer que é a mesma coisa, ainda que a vejamos diferente do que fora antes? Como sabemos que uma determinada roseira é a mesma que, no ano passado, não passava de um ramo com poucas folhas e sem flor? Como sabemos que Paulo, hoje adulto, é o mesmo Paulo que conhecemos criança?  

Por que sinto que sei que sou diferente das coisas? Porém, por que também sinto que sei que um outro corpo, diferente e semelhante do meu, não é uma coisa, mas um alguém?
Por que eu e o outro podemos ver de modo diferente, sentir e gostar de modo diferente, discordar sobre tantas coisas, fazer coisas diferentes e, no entanto, ambos admitimos, sem sombra de dúvida, que um triângulo, o número 5, o círculo, os arcos do palácio da Alvorada, ou as pirâmides do Egito são exatamente as mesmas coisas para ele e para mim?
O que é uma coisa? E um objeto?
O que é a subjetividade?
O que é o corpo humano? E uma consciência?
Perguntas como essas constituem o campo da metafísica, ainda que nem sempre as mesmas palavras tenham sido usadas para formulá-las.
Por exemplo, um filósofo grego não falaria em “nada”, mas em “não-ser”. Não falaria em “objeto”, mas em “ente”, pois a palavra objeto só foi usada a partir da Idade Média e, no sentido em que a empregamos hoje, só foi usada a partir do século XVII. Também, não falaria em “consciência”, mas em “psyche”, isto é, alma. Jamais falaria em “subjetividade”, pois essa palavra, com o sentido que lhe damos hoje, só foi usada a partir do século XVIII.
A mudança do vocabulário da Filosofia no curso desses 25 séculos indica que mudaram os modos de formular as questões e respondê-las, pois a Filosofia está na História e possui uma história. No entanto, sob essas mudanças profundas, permaneceu a questão metafísica fundamental: O que é?


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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