Os medievais e os clássicos
Para Platão, a dialética era o
instrumento para alcançar a verdade. Por meio dela, a faculdade de conhecer
subia das opiniões contrárias ou opostas até às idéias ou essências universais,
a realidade verdadeira. A dialética era, assim, um método de diálogo que partia
da discussão entre interlocutores que, possuindo apenas imagens confusas das
coisas, defendiam posições contrárias sobre um assunto ou sobre alguma coisa;
as contradições entre as opiniões iam sendo discutidas, depuradas, purificadas
pelos argumentos racionais da dialética, que persuadia os interlocutores a
alcançar a identidade da ideia, a mesma para todos.
Para Aristóteles, porém, a
dialética não poderia cumprir o papel de instrumento do pensamento verdadeiro,
porque este exige procedimentos de prova ou demonstração, para além da simples
argumentação. Por esse motivo, Aristóteles reservava a dialética para os campos
em que a argumentação e a persuasão eram importantes, mas colocava a lógica (a
analítica) como instrumento indispensável do pensamento científico e
filosófico, isto é, do pensamento que demonstra a verdade das suas teses e
conclusões. A lógica era, assim, o instrumento demonstrativo do pensamento
verdadeiro.
Os estoicos mantiveram a ideia
aristotélica de que a lógica era um instrumento de prova. No entanto, como sua
teoria do conhecimento afirmava que só conhecemos aquilo de que temos
experiência direta, a prova era considerada a maneira pela qual se podia chegar
a uma conclusão partindo de premissas meramente prováveis, isto é, do
raciocínio hipotético. Por esse motivo, a prova possuía um caráter persuasivo
ou argumentativo, levando o estoicismo a identificar lógica e dialética.
Durante a Idade Média, embora os
filósofos tivessem feito opções diferentes – uns optaram pela concepção de
Aristóteles e outros pela dos estoicos -, todos tenderam a identificar lógica e
dialética, isto é, a considerar que a lógica é uma arte racional de
demonstração, mas que essa demonstração tem a força de um argumento persuasivo.
A lógica oferecia os procedimentos racionais da prova e da dialética, os meios
de persuadir o ouvinte ou o leitor.
A principal contribuição dos
medievais esteve no esforço para dar um passo além de Aristóteles, com a
proposta de quantificar também o predicado das proposições. Assim, além das
proposições serem universais ou particulares em função do sujeito – todos
os S, nenhum S, alguns S, este S
– deveriam ser também universais ou particulares conforme o predicado - todos
os P, nenhum P, alguns P, este P.
Por exemplo: “Todos os homens são alguns mortais” (pois os
animais e as plantas também são mortais); “Todos os homens são todos
os seres compostos de corpo e espírito” (pois os anjos só têm espírito,
enquanto os animais e as plantas só têm corpo).
Os medievais também contribuíram
para a lógica, deixando mais clara a relação entre ela e a linguagem, isto é,
mostrando que a lógica é inseparável de um uso ordenado e regulado da
linguagem. Partindo do latim – que era a língua culta usada pela Filosofia,
pela ciência, pelas artes e pelo direito -, estabeleceram regras para todas as
funções sintáticas e semânticas dos signos da língua latina.
Essa concepção da lógica como
relação entre o pensamento e uma linguagem perfeitamente ordenada e regulada,
capaz de exprimir claramente as idéias, foi intensamente desenvolvida no século
XVII por Leibniz, que propôs uma Arte Combinatória, inspirada na álgebra.
Assim como a álgebra possui
símbolos próprios, inconfundíveis, universais para todos os matemáticos, assim
também a lógica deveria ser uma linguagem perfeita, totalmente purificada das
ambiguidades e contra-sensos da linguagem cotidiana. Leibniz propôs uma
linguagem simbólica artificial, isto é, construída especialmente para garantir
ao pensamento plena clareza nas demonstrações e nas provas.
A relação entre lógica e
matemática também foi desenvolvida no século XVII pelo filósofo inglês Hobbes,
tendo a geometria como modelo. Hobbes considerava o raciocínio um cálculo,
isto é, quando raciocinamos, simplesmente somamos, subtraímos, multiplicamos ou
dividimos idéias, cabendo à lógica estabelecer as regras universais desse
cálculo.
A linguagem, dizia Hobbes, é uma
convenção social. É por convenção que fazemos determinados sons e determinadas
grafias – isto é, determinadas palavras – corresponderem a certas coisas e não
a outras e, conseqüentemente, o significado linguístico e mental resulta dessa
convenção social. À lógica caberia organizar, ordenar e sistematizar as formas
corretas do uso das convenções, garantindo que cada palavra e cada ideia, cada
proposição e cada conceito pudessem corresponder-se, livres de toda confusão e
ambiguidade.
Esse ideal de uma lógica
simbólica perfeita, inspirada na linguagem matemática, veio concretizar-se
apenas nos meados do século XIX, com a publicação de duas obras: Análise
matemática da lógica, de Boole (em 1847), e Lógica formal, de Morgan
(também em 1847). Caberia mais tarde ao filósofo alemão Frege e aos filósofos
ingleses Bertrand Russell e Alfred Whitehead completar e consolidar a grande transformação
da lógica, abandonando as teorias aristotélicas da inferência por uma nova
concepção de proposição lógica.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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