O surgimento da ontologia: Parmênides de Eléia
Quando estudamos o surgimento da
lógica, vimos a importância do pensamento de Parmênides. Foi ele o primeiro
filósofo a afirmar que o mundo percebido por nossos sentidos – o cosmos
estudado pela cosmologia – é um mundo ilusório, feito de aparências, sobre as
quais formulamos nossas opiniões. Foi ele também o primeiro a contrapor a esse
mundo mutável (feito de mudança perene dos contrários que se transformam uns
nos outros) a ideia de um pensamento e de um discurso verdadeiros referidos
àquilo que é realmente, ao Ser – to on, On.
O Ser é, diz Parmênides.
Com isso, pretendeu dizer que o Ser é sempre idêntico a si mesmo, imutável,
eterno, imperecível, invisível aos nossos sentidos e visível apenas para o
pensamento. Foi Parmênides o primeiro a dizer que a aparência sensível das
coisas da Natureza não possui realidade, não existe real e verdadeiramente, não
é. Contrapôs, assim, o Ser (On) ao Não-Ser (me On),
declarando: o Não-Ser não é. A Filosofia é chamada por Parmênides de a
Via da Verdade (aletheia), que nega realidade e conhecimento à Via da
Opinião (doxa), pois esta se ocupa com as aparências, com o Não-Ser.
Ora, a cosmologia ou física
ocupava-se justamente com o mundo que percebemos e no qual vivemos com as
demais coisas naturais. Ocupava-se com a Natureza enquanto um cosmos ou ordem
regular e constante de surgimento, transformação e desaparecimento das coisas.
A cosmologia buscava a explicação para o devir, isto é, para a mudança
das coisas, para a passagem de uma coisa a um outro modo de existir, contrário
ao que possuía. (O dia vira noite, a saúde vira doença, o frio esquenta, o
quente esfria, o úmido seca, o seco umedece, o novo envelhece, o vivo morre, o
pequeno aumenta, o grande diminui, etc.). A cosmologia dedicava-se à
multiplicidade dos seres, à mutabilidade deles e às oposições entre eles.
Parmênides tornou a cosmologia
impossível ao afirmar que o pensamento verdadeiro exige a identidade e a
não-contradição do Ser. Considerando a mudança de uma coisa em outra contrária
como o Não-Ser, Parmênides também afirmava que o Ser não muda porque não tem
como e nem por que mudar e não tem no que mudar, pois, se mudasse, deixaria de
ser o Ser, tornando-se contrário a si mesmo, o Não-Ser. Como conseqüência,
mostrou que o pensamento verdadeiro não admite a multiplicidade ou pluralidade
de seres e que o Ser é uno e único.
Os argumentos da Escola Eleata
eram rigorosos. Diziam:
● admitamos que o Ser não seja
uno, mas múltiplo. Nesse caso, cada ser é ele mesmo e não é os
outros seres; portanto, cada ser é e não é ao mesmo tempo, o que é impensável
ou absurdo. O Ser é uno e não pode ser múltiplo;
● admitamos que o Ser não seja
eterno, mas teve um começo e terá um fim. Antes dele, o que havia? Outro Ser?
Não, pois o Ser é uno. O Não-Ser? Não, pois o Não-Ser é o nada. Portanto, o Ser
não pode ter tido um começo. Terá um fim? Se tiver, que virá depois dele? Outro
Ser? Não, pois o Ser é uno. O Não-Ser? Não, pois o Não-Ser é o nada. Portanto,
o Ser não pode acabar. Sem começo e sem fim, o Ser é eterno;
● admitamos que o Ser não seja
imutável, mas mutável. No que o Ser mudaria? Noutro Ser? Não, pois o Ser é uno.
No Não-Ser? Não, pois o Não-Ser é o nada. Portanto, se o Ser mudasse,
tornar-se-ia Não-Ser e desapareceria. O Ser é imutável e o devir é uma ilusão
de nossos sentidos.
O que Parmênides afirmava era a
diferença entre pensar e perceber. Percebemos a Natureza na
multiplicidade e na mutabilidade das coisas que se transformam umas nas outras
e se tornam contrárias a si mesmas. Mas pensamos o Ser, isto é, a imutabilidade
e a eternidade daquilo que é em si mesmo. Perceber é ver aparências. Pensar é
contemplar a realidade como idêntica a si mesma. Pensar é contemplar o to on,
o Ser.
Multiplicidade, mudança,
nascimento e perecimento são aparências, ilusões dos sentidos. Ao abandoná-las,
a Filosofia passou da cosmologia à ontologia.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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