"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Desmentindo a evolução e o progresso científicos


A Filosofia das Ciências, estudando as mudanças científicas, impôs um desmentido às idéias de evolução e progresso. Isso não quer dizer que a Filosofia das Ciências viesse a falar em atraso e regressão científica, pois essas duas noções são idênticas às de evolução e progresso, apenas com o sinal trocado (em vez de caminhar causal e continuamente para frente, caminhar-se-ia causal e continuamente para trás). O que a Filosofia das Ciências compreendeu foi que as elaborações científicas e os ideais de cientificidade são diferentes e descontínuos.
Quando, por exemplo, comparamos a geometria clássica ou geometria euclidiana (que opera com o espaço plano) e a geometria contemporânea ou topológica (que opera com o espaço tridimensional), vemos que não se trata de duas etapas ou de duas fases sucessivas da mesma ciência geométrica, e sim de duas geometrias diferentes, com princípios, conceitos, objetos, demonstrações completamente diferentes. Não houve evolução e progresso de uma para outra, pois são duas geometrias diversas e não geometrias sucessivas.  

Quando comparamos as físicas de Aristóteles, Galileu-Newton e Einstein, não estamos diante de uma mesma física, que teria evoluído ou progredido, mas diante de três físicas diferentes, baseadas em princípios, conceitos, demonstrações, experimentações e tecnologias completamente diferentes. Em cada uma delas, a ideia de Natureza é diferente; em cada uma delas os métodos empregados são diferentes; em cada uma delas o que se deseja conhecer é diferente.
Quando comparamos a biologia genética de Mendel e a genética formulada pela bioquímica (baseada na descoberta de enzimas, de proteínas do ADN ou código genético), também não encontramos evolução e progresso, mas diferença e descontinuidade. Assim, por exemplo, o modelo explicativo que orientava o trabalho de Mendel era o da relação sexual como um encontro entre duas entidades diferentes – o espermatozoide e o óvulo -, enquanto o modelo que orienta a genética contemporânea é o da cibernética e da teoria da informação.
Quando comparamos a ciência da linguagem do século XIX (que era baseada nos estudos de filologia, isto é, nos estudos da origem e da história das palavras) com a linguística contemporânea (que, como vimos no capítulo dedicado à linguagem, estuda estruturas), vemos duas ciências diferentes. E o mesmo pode ser dito de todas as ciências.
Verificou-se, portanto, uma descontinuidade e uma diferença temporal entre as teorias científicas como conseqüência não de uma forma mais evoluída, mais progressiva ou melhor de fazer ciência, e sim como resultado de diferentes maneiras de conhecer e construir os objetos científicos, de elaborar os métodos e inventar tecnologias. O filósofo Gaston Bachelard criou a expressão ruptura epistemológica[i] para explicar essa descontinuidade no conhecimento científico.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.



[i] Lembremos que a palavra epistemologia é composta de dois termos gregos: episteme, que significa ciência, e logia, vinda de logos, significando conhecimento. Epistemologia é o conhecimento filosófico sobre as ciências.

1 Response to "Desmentindo a evolução e o progresso científicos"

  1. Anônimo Says:
    8 de agosto de 2023 às 19:40

    Obrigado amigo, vc é um amigo 👍🏻