“Distensão ‘lenta, gradual e segura’ rumo à democracia”
Os resultados dos problemas econômicos foi que nas eleições para
deputado federal e estadual e para o Senado, em 1974 e 1978, o MDB teve ótima
votação. Um aviso claro para o pessoal da ditadura se mancar. O povo estava
dizendo não ao regime.
No Alto Comando Militar, as divisões políticas se acentuaram. Uns achavam
que a ditadura deveria ir afrouxando, acabando de modo lento e controlado.
Talvez, para os ditadores saírem discretamente pelos fundos, sem ninguém correr
atrás deles. Esses generais moderados e favoráveis ao gradual retorno à
normalidade democrática eram chamados de castelistas,
porque se sentiam continuadores de Castello Branco. Era o caso do próprio
Geisel e do presidente seguinte, Figueiredo. Outros militares defendiam a “linha dura” - alguns desses eram civis
-, e queriam apertar mais ainda. Costa e Silva e Médici, por exemplo, tinham
sido de linha dura. Começou então um combate nos bastidores, entre os militares
castelistas e os linha dura. E os linha dura bem que pegaram pesado.
Em outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog, diretor de telejornalismo
da TV Cultura de São Paulo, foi chamado para um interrogatório num quartel do
Exército, sede do DOI-CODI. Lá ficou, preso e incomunicável. Dias depois, a
família recebeu a notícia de que ele havia “se suicidado”. Com um detalhe:
teria de ser enterrado em um caixão lacrado, para que ninguém pudesse ver o
estado do cadáver. Suicídio mesmo ou o corpo estava arrebentado pela tortura?
No ano seguinte, o operário Manoel Fiel Filho sofreu o mesmo destino. A farsa
era evidente: é óbvio que ambos tinham sido mortos por espancamento. Em
homenagem a Herzog, o cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, junto ao
pastor James Wright e ao rabino Henri Sobel, dirigiu um culto religioso
ecumênico (reunindo as religiões) em frente à catedral da Sé. Havia milhares de
pessoas nesta que foi a primeira manifestação de massa desde 1968. Mostra clara
de que a sociedade civil estava voltando para as ruas para protestar contra o
arbítrio.
Indiretamente, Geisel reconheceu o crime. Não prendeu ninguém, mas
exonerou o comandante do II Exército, responsável pelos acontecimentos. Deixava
claro que não admitiria os atos violentos da linha dura. Em 1978, o Poder
Judiciário daria ganho de causa à família de Herzog, botando a culpa na União.
Sinal dos tempos.
Claro que a esquerda não podia dar bobeira. A ditadura ainda existia. Um
trágico exemplo disso foi o massacre da Lapa, quando agentes do Exército
invadiram uma casa nesse bairro da capital paulista, em 1976, onde se realizava
uma reunião secreta de dirigentes do PC do B. As pessoas nem puderam esboçar
reação: foram exterminadas ali mesmo, covardemente.
Apesar disso, Geisel apostava na distensão lenta e gradual. Para isso,
teve de usar a habilidade para derrubar seus opositores de linha dura. A
balança pendeu para o seu lado quando ele, num gesto fulminante, exonerou o
general Sílvio Frota (1977), ministro do Exército, tido como de extrema direita
e ligado à tortura.
A partir daí, a dureza do regime começou a diminuir bem devagar. Alguns
militares eram favoráveis à distensão política porque realmente estavam
imbuídos de convicções democráticas. Outros, não tão liberais, avaliavam que as
Forças Armadas estavam começando a se desgastar ao se manter num governo que
enfrentava uma crise econômica violenta. Geisel, portanto, tinha um plano
claro: distensão lenta e gradual. Ou seja, abrir o regime bem devagarzinho e
sem perder o comando sobre ele.
Dentro deste espírito de distensão controlada, Geisel buscou evitar as
vitórias eleitorais do MDB. Para isso, mudou as regras das eleições. Seu ministro
da Justiça, Armando Falcão, famoso pela inteligente proibição da transmissão,
pela tevê, do balé Bolshoi de Moscou (bailarinos são presa fácil do
comunismo?), inventou a tal Lei Falcão (1976), que dizia que a propaganda
política na tevê só podia exibir uma foto 3X4 do candidato e seu currículo,
lido por um locutor. Nada de um candidato do MDB aparecer na telinha ou no
rádio para criticar o governo e fazer propostas novas.
O natal de 1977 foi antecipado: Geisel fechou o Congresso e deu um
presentinho para os brasileiros, o Pacotão de Abril. Lindas surpresas. Para
começar, a cada eleição a Arena perdia mais deputados para o MDB. Em breve, o
partido do governo não teria os 2/3 do Congresso necessários para mudar alguma
coisa da Constituição. Então, o Pacotão determinava que a Constituição agora
poderia ser modificada com apenas 50% dos votos dos congressistas mais um.
Assim, a Arena (ainda maioria) garantia seu poder constitucional. No senado, o
MDB também ameaçava. Resultado: o Pacotão determinou que um terço dos senadores
passariam a ser biônicos, ou seja, escolhidos indiretamente pelas Assembléias
Legislativas de cada Estado. Em outras palavras, a Arena já tinha garantido
quase 1/3 do senado, os outros 2/3 seriam disputados com o MDB nas eleições
normais, o Pacotão também alterou o quociente eleitoral, de modo que os estados
do Nordeste, onde a população rural ainda era dominada pelos currais
eleitorais, e portanto votava com a Arena, tivessem assegurado o direito de
eleger um número maior de deputados para o Congresso. No sertão nordestino,
chuva mesmo, só de deputados da Arena. O Pacotão fazia das eleições um jogo de
futebol em que o dono da bola joga de um lado e, ao mesmo tempo, é juiz.
Em 1978 foi decretado o fim do AI-5, o que mostrava alguma boa vontade
de Geisel com a distensão política, Mas antes de ele acabar com o ato
arbitrário, usou o AI-5 para cassar diversos opositores. Mais ou menos como o
pistoleiro que mata todo mundo e que, depois de acabarem as balas, resolve se
arrepender do que fez. A garantia disso tudo era a Lei de Segurança Nacional
(LSN) que continuava sendo mantida.
Em política exterior, o Brasil baseou-se no chamado pragmatismo
responsável: restabeleceu relações com países comunistas como a China, porque
isso trazia vantagem comercial e diplomática. Em 1975, na África, Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde deixaram de ser colônias de Portugal. No
poder, partidos de orientação marxista, apoiados por Cuba e URSS. Acontecia que
o governo militar ainda seguia a visão da Doutrina de Segurança Nacional que
sonhava em transformar o Brasil na grande potência que dominaria a América do
Sul e o sul da África. Por isso, o Brasil não teve conversa e apoiou os
governos de esquerda em Angola e Moçambique, inclusive contrariando a vontade
do governo racista da África do Sul e dos EUA. Na verdade, os EUA, do
presidente Carter, andaram pressionando o governo militar brasileiro por causa
da violação de direitos humanos (incluindo tortura e execução de presos
políticos). Coisa de americanos: apoiaram o golpe de 64, depois mudaram de
governo e passaram a criticar. Diante disso, e de olho no acordo nuclear Brasil
– Alemanha, Geisel acabou rompendo um acordo militar Brasil-EUA. Isso mostra
uma coisa muito importante: apesar de o regime militar brasileiro ter sido
apoiado pelos EUA, isso não quer dizer que o Brasil sempre tivesse seguido os
americanos. Não foram eles que impuseram o regime aqui. A explicação básica do
que acontece no Brasil tem de ser buscada aqui mesmo, nas nossas estruturas,
nas nossas contradições internas, Culpar o imperialismo por tudo é cômodo e
superficial.
No final do seu governo, Geisel passou o bastão para o general
Figueiredo. A crise continuava e as pressões populares pelas mudanças, também.
Fontes
bibliográficas:
História do Brasil – Luiz Koshiba –
Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário
Schmidt – Ed. Novos Tempos
História do Brasil – Boris Fausto –
Ed. Difel
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