Governo do General Ernesto Geisel (1974 – 1979)
O novo general-presidente, Ernesto
Geisel, assumiu o governo num momento difícil da economia do Brasil e do
mundo, Para alimentar o crescimento, ele pediu emprestado aos banqueiros
estrangeiros e tratou de emitir papel-moeda. A inflação começou a aumentar e a
engolir salários. Era o fim do “milagre econômico”. Agora, a insatisfação
crescia. Isso ficava claro com o aumento de votos do MDB. Geisel percebeu que a
ditadura estava chegando ao fim de sua vida útil. O jeito era acabar com o
regime mas manter as coisas sob controle. Com ele, começaria a “distensão lenta
e gradual”.
O ano de 1973 assinalou o inicio de um choque na economia capitalista
mundial. Parecida com a de 1929, mas com efeitos bem menores para os países
capitalistas desenvolvidos, que empurraram a crise para cima do Terceiro Mundo.
De certa forma, os apertos econômicos dos países subdesenvolvidos, nos anos 90,
foram continuação do processo de 1973.
Tentaram botar a culpa nos árabes, porque eles aumentaram os preços do
petróleo: conversa fiada. O aumento foi apenas a recuperação de preços, que
vinham caindo muito, desde os anos 50. Para você ter uma idéia, antes do
aumento imposto pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em
1973, o preço do barril de petróleo no mercado mundial era inferior ao do
barril de água mineral! Claro que o aumento dos preços pegou todo mundo de
surpresa, aumentou os custos, cortou os lucros, provocando inflação e
desemprego. A crise do petróleo reforçou a crise geral do capitalismo em 1973.
Mas com certeza a crise não foi só energética. Afinal, países exportadores de
petróleo também entraram em crise!
O que aconteceu foi uma crise clássica de superprodução de mercadorias,
tal como ocorrera em 1929. Depois da Segunda Guerra, os EUA representavam
metade da produção econômica mundial. Mas nos anos seguintes a Europa Ocidental
recuperou plenamente sua economia. Surgiu também um grande competidor, o Japão.
De repente, o mercado mundial ficou apertado, não havia como continuar
investindo capital nos mesmos ritmos. As mercadorias começaram a ficar
encalhadas e logo vieram as falências, a inflação, a recessão.
Aqui no Brasil, o governo botava a culpa nos outros. Dizia que a crise
era mundial. Certo. Mas por que aqui ela era tão devastadora? Porque a política
econômica da ditadura nos tornava indefesos. O petróleo não representava nem
25% das nossas importações em 1975. Além disso, não só aumentou nossa produção
interna, como seus preços internacionais cairiam nos anos 80. No entanto, a
crise foi aumentando, ano após ano. Uma coisa tão braba que o nosso jovem
leitor com certeza viveu a maior parte de sua vida sob o signo da crise
econômica brasileira.
O que acontece é que o modelo econômico da ditadura era baseado no
pequeno mercado interno, representado pelos ricos e pela classe média. O país
estava se transformando na Belíndia, uma mistura da Bélgica com a Índia: uma
quantidade razoável de pessoas (classe média e superior) com padrão de consumo
de país desenvolvido, vivendo numa área com grandes centros industriais e
financeiros, ou seja, a parte do Brasil parecida com a Bélgica, e a gigantesca
maioria (classe média baixa e classes inferiores) com padrão de vida muito
baixo, milhões vivendo tão miseravelmente como na Índia. Tinha-se alcançado um
estágio em que não dava para aumentar a produção, por falta de consumidores
aqui dentro. A Bélgica da Belíndia era pequena e a Índia da Belíndia era cada
vez maior. Como produzir mais automóveis se a maioria dos brasileiros não tinha
dinheiro para comprá-los?
Ficava claro que só havia um jeito de ampliar o mercado consumidor:
distribuindo renda. Para isso, seria preciso tocar em privilégios, mexer em
interesses poderosos. Então, o regime militar não faria nada disso.
O governo preferiu outro caminho. Para a economia não entrar em
recessão, isto é, para a economia não regredir, o Estado começou a tomar
empréstimos externos para financiar a produção. Supunham que a economia
cresceria, que as exportaÇões se tornariam espetaculares e que tudo isso daria
condições de pagar a dívida externa. Só que os banqueiros internacionais não
são trouxas. Emprestaram dinheiro porque sabiam que o Brasil teria de devolver
muito mais em forma de juros. Se fizermos as contas direitinho no papel, vamos
concluir que nos anos 70 e 80, o Brasil pagou, só de juros, muito mais do que
pediu emprestado! Ou seja, já pagamos tudo, continuamos pagando e ficamos
devendo mais ainda! A dívida externa funciona como uma bomba de sucção que
chupa os recursos da economia do Brasil. Aliás, o problema da dívida externa é
comum em todo o Terceiro Mundo. Segundo os dados insuspeitos do Banco Mundial,
na década de 80 foram drenados bilhões de dólares do Terceiro Mundo para o
Primeiro. Ou seja, a parte pobre, esfarrapada e faminta do planeta é que mandou
dinheiro para a parte milionária! Nos anos 90, é óbvio, esse esquema continua.
O mais triste é quando a gente constata que grande parte da dívida
externa brasileira foi contraída financiando a vinda de multinacionais, construindo
obras gigantescas só para favorecer empresas estrangeiras (estradas,
hidrelétricas), sem falar construções que o governo nunca terminou, deixando as
máquinas e o material serem destruídos pelo tempo.
Pois é, apertado, o governo precisava de mais dinheiro ainda. Para ele,
é fácil. É só fabricar, emitir papel-moeda. Aí, vem a inflação. Para evitar a
inundação de dinheiro, o governo criou mercados abertos (opens markets),
vendendo títulos, ou seja, papéis expedidos com a garantia do governo, que mais
tarde poderiam ser resgatados (o proprietário devolveria para o governo em
troca de dinheiro) por um valor superior. A idéia era "enxugar" o
mercado, mas a medida deu a maior força para tudo quanto é tipo de especulação
financeira, quer dizer, os empresários manobravam para negociar esses títulos
com altos lucros. Eis aí um dos grandes problemas da economia brasileira a
partir dali: a especulação financeira. Ela é um ganho artificial, já que não
envolve nenhum investimento produtivo. No fundo, está transferindo riqueza da
sociedade para o bolso de alguns espertinhos.
A crise se manifestava com a queda da proporção dos lucros. Os
empresários não tinham conversa: buscaram lucrar na marra, botando os preços lá
em cima. Ora, é impossível que os empresários, como um todo, possam lucrar na
base do simples aumento de preços. Quando alguém aumenta os preços, o outro
aumenta também para compensar. Os trabalhadores querem salário maior só para
compensar a perda com os aumentos gerais de preços. Os empresários aumentam os
salários e, em seguida, sobem mais ainda os preços para reparar as perdas com a
alta de preços e salários. Vira um círculo vicioso. Resultado: o dinheiro vai
perdendo o valor. Espiral inflacionária. E o pior é que geralmente os preços
crescem mais rápido do que os salários. Portanto, quem mais perde com a inflação são os trabalhadores. Pois a
inflação veio a jato, mas os salários andam a passo de cágado.
O general Ernesto Geisel era irmão do arquipoderoso general Orlando
Geisel. Família unida é ditadura unida. Sua presidência ocorreu dentro desse
panorama de crise econômica. Mesmo assim, Geisel se deu ao luxo de ter um
ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, cuja mansão em Brasília, segundo o Jornal
do Brasil, consumia, mensalmente, 954 kg de carne e 432 kg de manteiga, Que
coisa: uma tonelada de bifes por mês, como devia ser gordo o ministro do
Trabalho! Bem, com certeza os salários dos trabalhadores não eram tão gordos.
No meio da crise de energia, o Brasil teve a sorte de descobrir petróleo
na bacia de Campos (RJ), em frente à cidade de Macaé. A Petrobrás pôde aumentar
sua produção espetacularmente. Mas Geisel tinha também outros planos para
resolver o problema energético: como não havia dinheiro no Brasil, a solução
foi gastar mais dinheiro ainda. O acordo
nuclear Brasil-Alemanha custou uma fortuna de bilhões de dólares. Para
fazer usinas perigosíssimas num país onde 80% do potencial hidrelétrico ainda
não foi aproveitado. Incrível, não? A usina de Angra dos Reis (RJ) fica
exatamente entre os dois maiores centros industriais do país: São Paulo e Rio
de Janeiro. Imagine se houvesse um acidente nuclear!
Na verdade, a velha Doutrina de Segurança Nacional continuava ativa.
Geisel montou um acordo nuclear com a Alemanha porque acreditava que o Brasil
precisava aprender a dominar a tecnologia capaz de produzir, num futuro
próximo, a bomba atômica. Na mesma época, a Argentina, que vivia uma ditadura
militar desde 1976, também sonhava com cogumelos nucleares. Guerra: coisa de
gente que andou tomando uns cogumelos não exatamente nucleares, não é verdade?
No mesmo ano (1975), teve início o Projeto Pró-álcool. A idéia era
substituir a gasolina pelo álcool combustível. Os usineiros se alegraram. As
plantações de cana-de-açúcar foram ocupando tudo quanto é lugar, expulsando os
camponeses moradores, acabando com as plantações de alimentos (tornando a
comida mais cara) e despejando o poluente vinhoto nos rios. Nos anos 80, com a
queda do preço mundial de petróleo, o Brasil ficou com uma enorme frota de
carros movidos a um combustível caríssimo. Já em 1990, querendo melhores
preços, os usineiros '`sumiriam" com o álcool. Na verdade, o álcool se
revelou um combustível muito mais caro do que a gasolina (no posto, o álcool é
mais barato porque é subsidiado, ou seja, o governo paga uma parte da conta.
Mas onde arruma dinheiro para fazer essa caridade? Cobrando mais alto pela
gasolina. Trocando em miúdos: quem tem carro a gasolina está ajudando a encher
o tanque de quem tem carro a álcool). O que se viu nesses anos todos foi o
governo emprestando milhões de dólares aos usineiros do Nordeste, do Rio de
Janeiro e de São Paulo e depois perdoando as dívidas porque não suporta mais a
choradeira dos produtores de álcool e açúcar. Enquanto isso, os cortadores de
cana continuam passando fome.
Ora, por que não estimularam o transporte ferroviário e o fluvial, bem
mais baratos, podendo, em alguns casos, usar energia elétrica? Não foi
incompetência. Na verdade, desde Juscelino que uma das espinhas dorsais de
nossa indústria é fabricação de automóveis e caminhões. As pressões das
multinacionais desse setor forçaram o governo a abandonar outras opões de
transporte. As estradas de ferro, tão importantes nos países desenvolvidos,
foram relegadas a segundo plano pelo governo e as estatais deste setor tiveram
seus recursos cortados.
O II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento) - o I PND foi no
governo Médici, sob a batuta do ministro Delfim Netto -, comandado pelo
ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, e pelo do Planejamento, Reis
Velloso, tinha como objetivo começar a substituir as importações de bens de
capital (indústria de base). Para isso, o BNDE concedeu créditos generosos a
empresas privadas do setor, mas principalmente as empresas estatais tiveram
grande crescimento, especialmente a Eletrobrás (que comprou a multinacional
Light and Power e levou adiante a construção da maior usina hidrelétrica do
mundo, Itaipu, na fronteira com o Paraguai), a Embratel (telefones, satélites
de comunicações, televisão etc.), a Petrobrás e as estatais de aço. Tudo isso
alimentado por uma dívida externa que aumentava sem parar. Em breve, os
banqueiros viriam cobrar a dívida e os juros. Aí, a economia sentiria a fome de
sucção dos interesses internacionais.
Fontes
bibliográficas:
História do Brasil – Luiz Koshiba –
Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário
Schmidt – Ed. Novos Tempos
História do Brasil – Boris Fausto –
Ed. Difel
0 Response to "Governo do General Ernesto Geisel (1974 – 1979) "
Postar um comentário