"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Governo General Emílio Garrastazu Médici (1969 – 1974)


"A plenitude do regime democrático é uma aspiração nacional. . . "
PRESIDENTE MÉDICI

Costa e Silva não teve muito tempo para se alegrar com os efeitos do AI-5, um derrame o matou, em agosto de 1969. O povo não teve tempo de se alegrar: uma Junta Militar, comandada pelo general Lyra Tavares, assumiu o governo até se nomear o novo general-presidente. O vice de Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo (ex-UDN), não tinha apoiado totalmente o AI-5 e por isso fora jogado para escanteio. No mesmo ano, ocorreu a Emenda Constitucional nº 1, que alguns juristas consideram quase como uma nova Constituição. Ela legalizou o arbítrio e os poderes totalitários da ditadura. Todas aquelas medidas arbitrárias tipo AI-5 e 477 foram incorporadas à Constituição. Além disso, ela estabeleceu que o presidente podia baixar medidas (decretos-leis) que valeriam imediatamente. O Congresso disporia de 60 dias para examinar o decreto. O Congresso tinha 60 dias para votar a aprovação. Se depois desse prazo não tivesse havido votação (o Congresso poderia, por exemplo, estar fechado pelo AI-5, ou com número insuficiente de membros comparecendo às sessões), ele seria automaticamente aprovado por decurso de prazo. 

Dias depois, era indicado o novo chefe supremo do país. O novo presidente era o general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo teve dois pontos de destaque: o extermínio da guerrilha e o crescimento econômico espetacular (o “milagre”).
Nenhuma época do regime militar foi tão repressora e brutal, Nunca se torturou e assassinou tanto. Nos porões do regime, as pessoas tinham suas vidas postas na marca do pênalti. E assim os órgãos de repressão marcaram gols, liquidando guerrilheiros como Marighella (04/11/69), Mário Alves (16/11/70) e Lamarca (17/09/71).
Na economia, o ministro Delfim Netto comandou o milagre econômico. A produção crescia e se modernizava num ritmo espetacular. A inflação, dentro dos padrões brasileiros, até que era moderada, lá na casa dos vinte e tantos por cento. Construía-se com euforia. Obras, como a ponte Rio-Niterói, a rodovia Transamazônica, a refinaria de Paulínia e a instalação da tevê em cores (1972), pareciam mostrar que a prosperidade seria eterna. A classe média comprava ações na Bolsa de Valores e imaginava se tornar grande capitalista.
Para acelerar o crescimento, ampliaram-se as empresas estatais ou criaram-se novas, principalmente na produção de aço, petróleo, eletricidade, estradas, mineração e telecomunicações. Os nomes delas você já ouviu falar: Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás, Correios, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, Usiminas e tantos outros.
Crescimento e modernização que não beneficiavam as classes trabalhadoras. Pelo contrário, quanto mais o país crescia, tanto mais piorava a vida do povo. Em 1969, por exemplo, o salário mínimo só valia 42% do que representava em 1959, Em 1974, isso desceu para 36%.
Os ricos foram ficando cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres, A ditadura foi uma espécie de Robin Hood às avessas.
Essa distribuição de renda ao contrário era facilitada pelo fato de que não havia nenhuma greve, nem sindicato independente, nem a oposição no Congresso tinha margem de manobra. Era uma ditadura que fazia uma coisa incrível: o país crescia como poucos no mundo e quanto mais riquezas eram produzidas, mais difícil ficava a vida dos trabalhadores.
Até nos países mais pobres da África, a mortalidade infantil diminuía. Nas grandes cidades brasileiras ela crescia, Quanto mais a renda per capita do Brasil aumentava, mais as crianças pobres morriam porque comiam pouco, não eram vacinadas, não tinham médico, De repente, houve uma epidemia de meningite, Doença que pode matar, É preciso que os pais estejam alerta. O que fez a ditadura? Proibiu que os jornais divulgassem qualquer notícia a respeito. O povo tinha de ser enganado pela imagem de que no Brasil a saúde pública estava sob controle, o que veio em seguida era previsível: os pais, sem saber do surto da doença, não davam muita importância para aquela febrezinha do filho, Achavam que era só uma gripe, Não levavam para o posto de saúde, Até que a criança morria, A meningite mataria milhares de meninos e meninas no Brasil, numa das mais terríveis epidemias do século, Só esse caso já mostra o quanto a ditadura era absurda, não é mesmo?
O ministro Delfim Netto dizia que era para o povo ter paciência: “temos de esperar o bolo crescer para depois distribuir os pedaços”. E até hoje o povão está esperando sua fatia. Pois é, na cara-de-pau, o general-presidente Médici dizia: “A economia vai bem, só o povo é que vai mal.” Viu? Uma coisinha à toa é que ia mal, um trocinho assim, sem importância, uma poeirinha desprezível chamada povo...
Grande parte da classe média até que gostava daquilo tudo. Afinal, a ditadura, além de modernizar a indústria de base, estimulou a de bens de consumo duráveis. Maravilha das maravilhas: a família de classe média se realizava existencialmente comprando tevê em cores (desde 1972), aparelhagens de som, automóveis, eletrodomésticos. E até a classe operária foi arrastada nesse processo de crença na ascensão social baseada na aquisição do radinho de pilha ou do tênis maneiro,
A megalomania planejava as obras estatais, Assim como os cabelos eram compridos e as barras das calças eram “boca-de-sino”, as obras eram gigantescas, o governo fazia estádios de futebol em tudo quanto era canto, mas as escolas caíam aos pedaços, A rodovia Transamazônica, importante para iniciar a colonização da Amazônia, não incluiu nenhum projeto de proteção ao meio-ambiente, aos índios, aos camponeses e aos garimpeiros. A ponte Rio-Niterói (1974) foi realmente fundamental para ligar a economia do Nordeste do país ao Sudeste industrial (RJ e SP), mas ela custou uma fortuna. Certamente teria sido mais barata se as contas tivessem sido controladas democraticamente. Muita empresa construtora se deu bem fazendo essa obra encomendada pelo governo, Aliás, em quase todas essas obras faraônicas (ou seja, enormes, caras e quase inúteis, tal como as antigas pirâmides dos faraós do Egito) houve esquemas para homens do governo e firmas de engenharia civil ganharem uma boa grana por fora. Velha história: sem democracia a roubalheira rola solta porque não há imprensa livre, Congresso independente.
Um tratamento especial foi dado às empresas multinacionais (estrangeiras). Elas tiveram mais favores do governo do que as empresas nacionais! O que não é de se espantar, pois grande parte dos homens do poder eram profundamente ligados aos grupos estrangeiros e não hesitaram em usar sua influência. Analistas como Ricardo Bueno e Moniz Bandeira chegaram a considerar os ministros Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen (que o presidente Collor queria para seu ministro), Golbery do Couto e Silva, Roberto Campos e outros como “notórios entreguistas”, ou seja, responsáveis conscientes pelo favorecimento escancarado do governo aos monopólios estrangeiros,
É claro que hoje em dia não se pode ter mais aquela visão de ódio total às multinacionais. Afinal, com a internacionalização da economia, ou seja, a ligação econômica direta entre quase todos os países e continentes, elas se tornaram peças fundamentais da economia mundial. Inclusive, porque parecem realmente ser úteis parceiras em alguns setores, já que nenhum país pode ter sozinho tecnologia e capital para produzir tudo. Todavia, é sensato esclarecer alguns pontos: por que elas são as responsáveis por grande parte da dívida externa brasileira? Será benéfico o governo pedir dinheiro emprestado aos banqueiros internacionais para fazer obras gigantescas a favor das multinacionais? Ou simplesmente para financiá-las? Será correto que elas mandem para fora lucros de bilhões de dólares, em vez de aqui reinvestir? Será interessante o seu poder de levar à falência as empresas nacionais, através de uma concorrência desleal? Será que elas realmente nos transferem tecnologia ou só mandam pacotes prontos feitos nos seus laboratórios? Será que elas não mandam dinheiro escondido "por debaixo do pano"? Será que não interferem na nossa vida interna, combatendo governos que não lhes interessam, mesmo se estes forem a favor do povo? Será saudável que produzam aqui remédios e produtos químicos proibidos em seus países de origem? Por que será que um operário da Volkswagen ou da Ford no Brasil faz o mesmo serviço, nos mesmos ritmos e níveis de tecnologia, que operários dessas empresas na Alemanha ou nos EUA e, no entanto, ganha tão menos? Tantas perguntas...
Bem, aí estava o “milagre econômico”: modernização, crescimento acelerado, inflação moderada, facilidades para o investimento estrangeiro, e também ricos mais ricos e pobres mais pobres e aumento da dívida externa. Você reparou que era um esquema parecido com o que já havia no tempo de Juscelino Kubitschek? O desenvolvimento espetacular das telecomunicações e da indústria de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos, prédios de luxo e mansões financiados pelo BNH) eram voltados principalmente para a classe média e superior. Milhões de brasileiros estavam fora desse mercado. Claro, portanto, que essa festa não iria durar muito. O modelo se esgotava e a crise chegava mais rápido do que o Émerson Fittipaldi.

Fontes bibliográficas:

História do Brasil – Luiz Koshiba – Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário Schmidt – Ed. Novos Tempos

História do Brasil – Boris Fausto – Ed. Difel

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