"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A Amizade (Parte 06/07)


Amizade e Sociedade

Para entender as diversas decepções amistosas presentes em nosso dia-a-dia é preciso saber como funciona a sociedade, pois a amizade é um sentimento que fundamenta as relações sociais e todas as nossas relações são marcadas pela “ditadura da utilidade”, como afirmava Leminski. Assim explica Leminski o que pensa ser a ditadura da utilidade:

E o princípio da utilidade corrompeu todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza. O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. [...] A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. [...] estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas. Todos sabemos que elas são a própria finalidade da vida. (LEMINSKI, 1997, p. 77)

Leminski discute o conceito de utilidade que perpassa a sociedade contemporânea. É claro que esta discussão precisa ser analisada e não simplesmente aceita como uma verdade pronta e acabada. Basicamente a preocupação de Leminski é a de apresentar que, para a sociedade atual, o mundo da necessidade sobrepõe-se ao da liberdade. Porém, a vida, ou melhor, o que realmente dá sentido à vida, está relacionado ao mundo da liberdade. Conclui Leminski que isto é uma verdade para todas as pessoas, ou seja, que todos temos clareza disso.
Será que o poeta está certo? De fato, todos temos consciência de que o amor, a amizade são a própria finalidade da vida?
Aristóteles nos apresenta como finalidade o bem e, portanto, a felicidade. O que nos apresenta a respeito da amizade serve como referência para as relações sociais na sociedade capitalista que vivemos? O que Aristóteles apresenta como amizade perfeita é possível na sociedade onde predomina a ditadura da utilidade?

Parece que o amor é uma emoção e a amizade é uma disposição de caráter; de fato, pode-se sentir amor também por coisa inanimada, mas o amor recíproco pressupõe escolha e a escolha tem origem na disposição de caráter; além disto, desejamos bem às pessoas que amamos pelo que elas são, e não em decorrência de um sentimento, mas de uma disposição do caráter. Gostando de um amigo as pessoas gostam do que é bom para si mesmas, pois a pessoa boa, tornando-se amiga, torna-se um bem para seu amigo. Cada uma das partes, então, ama o seu próprio bem e oferece à outra parte uma retribuição equivalente, desejando-lhe bem e proporcionando-lhe prazer. A propósito, diz-se que a amizade é igualdade, e ambas se encontram principalmente nas pessoas boas. (ARISTÓTELES, 2001, p. 159)

O que diferencia o amor da amizade é o fato de que as emoções são inerentes a nós, ou seja, estão em nós e, portanto, apenas se manifestam e, inclusive, até mesmo contrárias a nossa vontade. Já a amizade é uma disposição de caráter, ou seja, algo que não está em nós, mas que possuímos condições para adquirir. E para isso exercitamos nossa capacidade de escolha. A diferença é não escolho se fico irado ou não diante de uma dada situação, mas o poder de controlar tal emoção, sentindo-a pouco, média ou muito. A disposição de caráter é esta capacidade de escolha.
Você já deve ter ouvido as pessoas falarem que “os amigos a gente escolhe, já os parentes não”. E de fato por ser a amizade uma disposição de caráter, pressupõe escolha. E Aristóteles nos diz que a amizade é igualdade e, sobretudo, pressupõe a reciprocidade. Sem reciprocidade não há amizade.

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